A famosa obra “Retrato de Adele Bloch-Bauer I” (acima) foi pintado pelo austríaco Gustav Klimt (1862 – 1918) em 1907. O artista faria mais um retrato de Adele (em 1912) e acredita-se que ela tenha servido de modelo para ao menos mais dois trabalhos do artista, a também famosa “Judith I” (ou “Judite e a cabeça de Holofernes”) (de 1901) e “Pallas Athena” (1898).
A ligação entre Gustav Klimt e Adele Bloch-Bauer foi, portanto, duradoura – e embora a socialite fosse casada com um rico industrial, os historiadores acreditam que ela tenha sido uma das várias amantes do artista (após a morte dele, surgiram nada menos do que 14 supostos herdeiros, muitos filhos de suas modelos).
[Clique nesta e nas próximas pinturas de Klimt para ampliá-las e ver seus detalhes.]
No final da década de 1990, Klimt e Adele já faziam parte da História e o retrato da modelo preferida do artista descansava tranquilamente em uma parede de museu, a Österreichische Galerie, no Palácio Belvedere, em Viena, capital austríaca onde o artista nascera e morrera.
Até que uma senhora chamada Maria Altmann, sobrinha de Adele, resolveu lutar contra o Estado austríaco, querendo de volta para sua família não apenas este, como outras obras de Klimt que, segundo ela afirmava, haviam sido roubados pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.
A lista de obras de Arte roubadas pelos nazistas é grande (e a prática não foi inventada por Hitler, já tendo acontecido antes em outras guerras) e a confusão nas décadas seguintes, gerada pelos pedidos de restituições, também foi enorme. Contudo, na maioria dos casos não se tratava de uma obra tão famosa quanto o “Retrato de Adele Bloch-Bauer”. Além disto, quando a sobrinha entrou com o pedido, já se passavam mais de quatro décadas do fim da Guerra e o assunto das restituições parecia resolvido. Assim, a demanda de Maria Altmann causou um grande estardalhaço. Como definiu alguém: “O ‘Retrato de Adele’ é a ‘Mona Lisa’ da Áustria!” E uma pessoa, um particular (ainda que fosse um familiar da modelo), queria a obra só para si! E o pior: esta pessoa morava nos Estados Unidos (a família de Altmann, judia, foi para lá fugindo justamente dos nazistas)!
A batalha judicial entre Maria Altmann e o Estado austríaco seria longa e dividiria opiniões. Uma boa parte dos austríacos concordava que ela tinha o direito de ter as obras de volta, porém a parte que discordava era ruidosa e agressiva. Altmann, como se pode imaginar, foi xingada de tudo, por estes: egoísta, mercenária etc. Até mesmo sentimento anti-semitas viriam à tona, contra ela.
Contudo, Maria Altmann, em 2006, após seis anos de luta, venceria a causa. E receberia cinco quadros de Gustav Klimt.
![Maria Bloch-Bauer Altmann com Retrato de Adele](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/Maria-Bloch-Bauer-Altmann-com-Retrato-de-Adele.jpg)
MINI-BIO DE GUSTAV KLIMT
Na disputa judicial, todos sabiam, estava em jogo milhões de dólares. Pois Gustav Klimt era um artista muito famoso.
Klimt foi educado como um pintor decorativo, porém descontente com a rigidez da Arte Clássica, fundaria um grupo que seria chamado de Secessão de Viena. Seus integrantes seguiam especialmente o estilo da Art Nouveau, que buscava a beleza, a harmonia, as curvas.
Posteriormente Klimt, que havia sido o primeiro presidente da Secessão, romperia com o grupo, e na sua chamada “Fase Dourada”, mergulharia no Simbolismo.
Klimt, no princípio de sua carreira, foi muito criticado tanto por suas escolhas estéticas quanto pela sensualidade excessiva de suas obras. Entretanto, após “O beijo”, de 1908, uma das obras de Arte mais famosas do mundo, o artista seria aclamado e desfrutaria de sucesso e influência na Áustria.
O JULGAMENTO DO CASO “ADELE BLOCH-BAUER”
![Adele Bloch-Bauer](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/Adele-Bloch-Bauer.jpg)
Maria Altmann passou a vida inteira sem imaginar que o quadro pertenceria a sua família. De vida modesta, porém uma senhora culta, foi só na casa dos 80 anos que ela foi se dar conta de que talvez tivesse este direito.
Um jornalista de Viena, anos antes, já havia apontado que talvez certas obras de Gustav Klimt não pertenceriam, por direito, ao Estado austríaco.
Maria Altmann encontrou no advogado Eric Randol Schoenberg, neto de compositores vienenses judeus famosos, o homem disposto a levar a causa adiante. Em 2004, o caso chegou à Suprema Corte americana, que decidiu que Schoenberg tinha o direito de processar a Áustria.
Adele morreu de meningite, em 1925, com 43 anos. Mas havia deixado registrado o seu desejo de que as pinturas de Klimt fossem doadas para a Áustria – e esta seria a principal linha dos advogados do governo austríaco.
Entretanto, seu marido, Ferdinand Bloch-Bauer, não deu as obras ao Governo após a morte da esposa. Pelo contrário, manteve as pinturas da falecida esposa em uma sala especial de seu palácio, como uma espécie de “santuário” dedicado a ela.
Em março de 1938, no início da Segunda Guerra Mundial, a Alemanha anexa a Áustria. Ferndinand foge para a Suíça e a Alemanha confisca seus bens. Os quadros de Klimt são enviados para o museu austríaco.
Pesaria para a decisão final a favor de Maria Altmann o fato de que, apesar do desejo de Adele, os quadros efetivamente pertenciam a Ferdinand. Que não quis doá-los ao Estado e que foi roubado pelos nazistas. Portanto, os quadros ainda pertenciam, por direito, à família dele. Ferdinand morreu em 1945, ano do fim da Guerra. Ele e Adele não tiveram filhos e ele deixava tudo para os três sobrinhos, um deles Maria Altmann.
Quando o caso foi encerrado, Maria Altmann estava já com 90 anos.
Talvez a notoriedade de “Retrato de Adele Bloch-Bauer” tenha ajudado Maria Altmann a vencer o caso. A mídia adorou a disputa e cobriu extensivamente o julgamento. O aspecto emocional da reparação de uma violência nazista pesaria a favor de Altamann. Outros casos sem tanta repercussão, entretanto, não tiveram um desfecho como o dela. Estima-se que ainda exista dezenas de milhares de objetos, incluindo obras de Arte, pilhados pelos nazistas que não retornaram às famílias que os possuíam. Isso sem falarmos no ouro que ficou na Suíça, que concordou em pagar mais de 1 bilhão de dólares em compensação… [Fonte: NY Times]
Muitas obras de Arte, eis a dura verdade, nunca retornarão a quem verdadeiramente possui o direito sobre elas porque estão em mãos de particulares, que as adquiriram durante ou após a Guerra. São difíceis de rastrear, a documentação dos herdeiros é escassa e muitos Estados não fazem muita questão de ajudar na empreitada. (É o caso, por exemplo, de três pinturas de Canaletto que também valem milhões e pertenciam ao cunhado de Maria Altmann, que foi forçado a “vendê-las” aos nazistas.)
O LEILÃO DO “RETRATO DE ADELE BLOCH-BAUER I”
Pouco após recuperar as obras de Gustav Klimt, Maria Altmann fez o que muitos austríacos temiam: vendeu-a para um “estrangeiro”.
Necessário apontar, entretanto, que o Governo austríaco teve a primeira opção de compra das obras de Klimt, porém se recusou.
Maria Altmann disse: “Na Áustria perguntam se emprestarei ao país as obras. Elas foram ’emprestadas’ por 68 anos. Empréstimo suficiente!” [Fonte: NY Times.]
Ronald Steven Lauder, co-fundador do Neue Museum, em Nova York (Estados Unidos) então comprou o “Retrato de Adele Bloch-Bauer I”. Por nada menos do que 135 milhões de dólares! Com o valor alcançado, a obra se tornou a mais cara do mundo, até então, ao ultrapassar os 104 milhões pagos por um quadro de Pablo Picasso em 2004. (Hoje a obra já foi ultrapassada por mais de uma dezena de outras, em preço de venda. Inclusive por uma do próprio Klimt, “Serpentes aquáticas II”. Porém, é certo que se fosse novamente à venda, o que é improvável, o “Retrato de Adele” voltaria a ser uma das mais caras da História…)
Porém o mundo não ficaria privado de ver novamente o “Retrato”, pois Lauder o doaria ao seu museu.
A casa de leilões Christie’s vendeu as quatro obras restantes de Gustav Klint recuperadas por Maria Altmann. O “Retrato de Adele Bloch-Bauer II” alcançou 88 milhões (a 3a obra de Arte mais cara da História, naquele momento) e outras três pinturas menos famosas, paisagens, alcançaram, em conjunto, 104 milhões. As cinco obras de Klimt devolvidas pelo governo austríaco, portanto, renderam espantosos 307 milhões de dólares!
Uma surpresa para muitos: o “Retrato de Adele Bloch-Bauer II” foi comprado pela apresentadora Oprah Winfrey! Que teria um lucro estonteante com a obra, ao vendê-la, 10 anos depois, para um chinês não-identificado, por 150 milhões de dólares!
LIVRO E FILME “A DAMA DOURADA”
A luta de Maria Altmann contra a Áustria foi tema de alguns documentários. E foi contada em ao menos um livro: “A dama dourada” (um livro excelente, por sinal, e do qual veio boa parte das informações deste texto). Que foi roteirizado e virou filme de mesmo nome.
Para o filme, um artista foi contratado para realizar uma cópia o mais fiel possível de “Retrato de Adele Bloch-Bauer I”.
Saiba tudo sobre o FILME “A DAMA DOURADA” (trailer, onde assistir gratuitamente etc.) e sobre o LIVRO “A DAMA DOURADA”.
O “FRISO DE BEETHOVEN”
A vitória de Maria Altmann contra o Estado austríaco deu fôlego a novas demandas de restituições de obras de Arte roubadas pelos nazistas.
Outra obra de Gustav Klimt a entrar em disputa foi o chamado “Friso de Beethoven”, uma pintura gigantesca (34 metros de largura!) feita para o prédio da Secessão de Viena, grupo criado e liderado pelo artista. O friso foi pintado nas paredes do prédio, em 1902, por ocasião da 14a mostra da Secessão.
Na ocasião, vários artistas homenageariam o compositor de música clássica e a obra de Klimt era uma “transcrição visual”, na interpretação do pintor, da 9a Sinfonia de Beethoven.
A pintura deveria ser temporária, mas fez muito sucesso – o escultor francês Auguste Rodin (que como Klimt tem uma obra famosa intitulada “O beijo”) disse, ao vê-la: “Tão trágico… e tão divino!” Então o friso foi preservado, dividido em oito partes.
O Estado austríaco havia adquirido de Erich Lederer a obra, em 1972.
O primeiro proprietário da obra foi August, pai de Erich, que a adquiriu em 1915. August se tornaria um patrono de Klimt, que viajaria com a família etc. A esposa de August, Serena, estudaria Arte com Klimt e posaria para o pintor – que, como se sabe, não conseguia se conter frente a uma mulher, comprometida ou não, e há suspeitas de que Elisabeth, filha de Serena, seja filha de Klimt (ou talvez ela tenha afirmado isto para parecer “menos judia” para os nazistas). [Fonte: Looted Art (1) , (2).]
Em 1919, após a morte de Klimt, um dia Serena entrou em uma galeria e perguntou quanto custaria tudo do artista que havia lá. O dono da galeria se espantou, mas respondeu. Ela disse: “Feito!” Passou o seu endereço e foi embora… [fonte: The Daily Beast.]
Veio a Guerra e os nazistas tomaram os bens dos Lederer – que possuía então a maior coleção de Klimt. Erich, com o fim da Guerra, herdou o que sobrou em posse da família, mas teria sido obrigado a renunciar a algumas posses para poder exportar outras.
Os reclamantes, herdeiros de Erich, disseram que este teve de vender o “Friso de Beethoven” por 750 mil dólares porque não obteve autorização para extraditá-lo.
Em 2015, o Conselho do Comitê de Restituições de Obras de Arte da Áustria decidiu, por unanimidade, que a obra deveria permanecer em posse do Governo. Segundo o Comitê, não havia provas de foi imposta alguma dificuldade a Erich para exportar a obra; pelo contrário, ele a negociou com o Governo de forma voluntária e a vendeu por um preço que considerou razoável.
Os herdeiros de Erich Lederer, entretanto, obtiveram outras vitórias contra o Estado austríaco, que retornou a eles seis quadros de Egon Schiele, contemporâneo e discípulo de Gustav Klimt – e um de Gentile Bellini que Lederer havia também havia vendido ao país.
QUADRO ROUBADO DE KLIMT É ENCONTRADO
Finalizamos este texto com uma história mais recente, envolvendo um roubo de um quadro de Klimt.
Em 2019, um jardineiro de uma galeria chamada Ricci Oddi (sobrenome de seu fundador, um falecido colecionador italiano), em Piacenza, Itália, encontrou, ao abrir uma grade em uma parede, uma sacola. Dentro, havia um quadro. O jardineiro levou a obra a seus superiores e o espanto seria geral: era um quadro roubado há mais de 20 anos da própria galeria!
A obra é intitulada “Retrato de uma mulher” (pois não se sabe quem representa) e foi feita em 1917.
Alguns acreditam que a obra foi “pescada” de dentro da galeria, pelo ladrão, com uma linha e um anzol, pelo teto do prédio. Havia suspeita de envolvimento de funcionários da própria galeria no roubo. Pensa-se que a pintura tenha sido escondida após a repercussão do caso.
Dois meses depois do roubo, um ex-primeiro-ministro italiano, acusado de corrupção, foi pego no exterior com a imagem – mas era uma cópia.
Em 2015, alguém se dizendo o ladrão da obra disse a um jornal que ela seria devolvida no 20o aniversário do roubo, em 2017 – muitos esperaram, mas nada ocorreu.
Agora, “Retrato de uma mulher”, cuja autenticidade foi confirmada por um exame de raio-X e que foi estimado em 60 milhões de dólares (o fato de ter sido roubado certamente aumentou seu valor), voltou a ser exibido pela galeria – desta vez, bem mais protegido…
Já a cidade, querendo ganhar mais algum com a história, entrou em contato com estúdios de cinema querendo transformar o caso em um filme…
SAIBA MAIS
Aqui no site temos algumas páginas e um post especial sobre Gustav Klimt. Confira:
História de vida do artista: biografia deCURIOSIDADES SOBRE GUSTAV KLIMT – a vida amorosa e sexual do artista foi escandalosa!
Suas principais produções artísticas: OBRAS DE GUSTAV KLIMT.
A principal obra do artista, analisada: “O BEIJO”, DE GUSTAV KLIMT.