“A DAMA DOURADA” – FICHA TÉCNICA
Título original: “Woman in gold”
Ano: 2015
Com: Helen Mirren (como Maria Altmann) e Ryan Reynolds (Eric Schoenberg)
SINOPSE E CRÍTICA DE “A DAMA DOURADA”
(ATENÇÃO: contém spoilers!)
“A dama dourada” é baseado em uma história real, contada também em livro de mesmo nome.
O filme gira em torno de uma obra de Arte específica: o “Retrato de Adele Bloch-Bauer I”, iniciada em 1903 e concluída em 1907 pelo pintor austríaco Gustav Klimt (1862 – 1918).
O “Retrato de Adele Bloch-Bauer I” é uma das pinturas mais importantes do famoso artista – e talvez Adele, uma socialite vienense, fosse sua amante – apesar de casada… Adele seria retratada uma segunda vez pelo pintor e alguns historiadores acreditam que seja ela a modelo que aparece no mundialmente famoso quadro “O BEIJO”, DE GUSTAV KLIMT.
Na Segunda Guerra Mundial, o “Retrato de Adele Bloch-Bauer I” foi roubado pelos nazistas. Quando a história de “A dama dourada” se inicia, no final da década de 1990, décadas depois da guerra, o quadro encontra-se em um museu de Viena. E uma sobrinha de Adele, chamada Maria Altmann, acreditando que o quadro ainda pertence por direito à sua família, resolve lutar contra o Estado austríaco e tentar recuperar a obra!
![Maria Bloch-Bauer Altmann](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/Maria-Bloch-Bauer-Altmann.jpg)
O quadro era considerado quase “a ‘Mona Lisa’ da Áustria” e, obviamente, o Estado austríaco não iria devolvê-lo assim tão facilmente, apesar de, nos últimos anos, aparentemente, vir facilitando a restituição de obras de Arte pilhadas pelos nazistas.
O caso vai parar até na Suprema Corte americana. Por fim, em 2006, após alguns anos de batalha, Altmann vence os austríacos e consegue de volta não apenas o “Retrato de Adele Bloch-Bauer”, como mais quatro obras de Klimt.
O “Retrato de Adele Bloch-Bauer I” é vendido por 135 milhões de dólares! Todos os quadros de Klimt recuperados, rendem a soma de 307 milhões, após serem leiloados.
A questão judicial que envolvia a disputa não era tão complicada, mas envolvia sutilezas. Antes de morrer, em 1925, com apenas 43 anos, Adele havia deixado escrito que queria que os seus retratos e outras obras de Klimt da família fossem doados para a Áustria. Entretanto, após a morte de Adele, seu marido, Ferdinand, não fez isto – pelo contrário, montou uma sala onde estes quadros ficavam expostos e a falecida esposa era “venerada”. Veio a Guerra, os nazistas tomaram tudo dos Bloch-Bauer, Maria fugiu para os Estados Unidos e, no fim da Guerra, Ferdinand morreu.
O casal Ferdinand e Adele não teve filhos. Ferdinand deixa tudo o que lhe restara para seus três sobrinhos – Mariam Altmann incluída. O Estado austríaco, então, amparado no testamento de Adele, afirmou que os quadros de Gustav Klimt pertenciam à Áustria. E o “Retrato de Adele Bloch-Bauer I” – que os nazistas haviam renomeado para “A dama dourada”, na tentativa de apagar o fato de que a retratada era uma judia – é exposto em um grande museu austríaco como uma joia da Arte do país.
Passam-se décadas assim até que Maria Altmann, após ver algumas reportagens sobre restituições de obras de Arte, tem um estalo. Sua tia não doou os quadros para a Áustria – ela apenas manifestou um desejo de que isto fosse feito. E os quadros não pertenciam a ela, mas a Ferdinand – que, efetivamente, pagou por eles. E Ferdinand não os doou ao país, quando teve a oportunidade.
Assim, e este é o ponto-chave da disputa legal, quando os nazistas se apropriam das obras de Klimt na casa dos Bloch-Bauer, estas, incluindo o “Retrato de Adele Bloch-Bauer I” efetivamente pertenciam à família, e não ao Estado austríaco!
Claro que há muito a ser discutido aqui sobre o ponto de Mariam Altmann e de seu advogado. E, na prática, foi, porém “A dama dourada”, felizmente, não se perde nestas questões muito técnicas, que poderiam interessar mais a advogados ou ao público de filmes e séries de tribunal do que a um público maior que a produção visa atingir. De certa forma, o “Retrato de Adele Bloch-Bauer I” pertencia, sim, a Adele, mesmo que o marido é que tenha financiado a execução da obra. Afinal, eram casados e, dentro de um casamento, o que pertence apenas a um e não a outro é uma questão complicada. Obviamente, as cuecas são do marido e as calcinhas da mulher, mas e os móveis? E o cachorro? E os quadros? E o quadro que retrata ela, e não o casal e muito menos ele?
O Estado austríaco até poderia entrar nestas questões – e certamente entrou. Porém o que favoreceu Maria Altmann foi o momento. A Áustria, de fato, não queria perder o “Retrato de Adele Bloch-Bauer I”. Por outro lado, o país vinha, há alguns anos, querendo se livrar ao máximo de qualquer associação positiva com o Nazismo. Assim, já vinha devolvendo obras a seus legítimos donos há algum tempo. O problema foi que Maria Altmann foi pedir logo uma das mais importantes obras de Arte do país. Outras devolvidas não fizeram falta quase nenhuma, mas esta causaria um buraco “na alma” austríaca.
A Áustria, portanto, luta, mas se vê em um dilema. Parte da opinião pública considera Maria Altmann uma egoísta, mercenária etc. Porém outra parte defende a sua causa: se a obra havia sido roubada pelos nazistas, era melhor devolvê-la, mesmo que isto doesse ao país. Era o certo a se fazer. Era uma questão de reparar ao menos o possível do passado negro do país – já que muitos, ali, incluindo negociadores de Arte, haviam até lucrado com a ocupação nazista.
A certo momento do filme, Maria Altmann diz que Adele não teria manifestado aquele desejo se soubesse o que ocorreria alguns anos depois. Este argumento é válido? Um testamento se anula no futuro se este futuro não for o desejado pelo falecido? E se Ferdinand tivesse morrido pouco antes da Guerra, não teria deixado os quadros para o Estado? E se, pertencentes à Áustria, tivessem sido roubados pelos nazistas, mas, depois da Guerra, voltado ao Estado, ainda não pertenceriam à Áustria?
Ou seja, se o Estado austríaco quisesse, mesmo, levar esta questão até o fim, poderia ainda estar disputando o “Retrato de Adele Bloch-Bauer I” até hoje – ou poderia até mesmo ter vencido a causa. Numa espécie de conciliação, entretanto, acabou por deixar o quadro e outros de Gustav Klimt irem embora. Sem dúvidas, a culpa pelos horrores do Nazismo pesou nesta certa desistência pela disputa, culpa que assola vários países da Europa e que tem facilitado aos herdeiros de várias vítimas do Nazismo recuperar ao menos parte do que lhes foi tomado – entretanto, o filme encerra falando que ainda há mais de 100 mil obras de Arte que não foram devolvidas!
O filme “A dama dourada”, como dito, felizmente foca menos nos aspectos judiciais da questão do que na relação entre Maria Altmann e o seu advogado Eric Randol Schoenberg. Este, também um descendente de judeus vienenses perseguidos na Guerra, a princípio, se mostra relutante em assumir o caso; depois, assume o por interesse financeiro; por fim, toma o caso como uma questão pessoal, assim como Altmann, que afirma que não quer o quadro porque vale muito, mas porque é seu por direito e, afinal, trata-se para ela da sua tia, e não de um ícone austríaco. Ela quer justiça. Tanto que, após vender os quadros recuperados, Altmann continuou com sua vida simples, até morrer em 2011, aos 94 anos. E o advogado se especializa em casos similares.
Boa parte do filme, assim, se passa em forma de flashbacks, mostrando o período da invasão alemã à Áustria, a perseguição aos judeus, a fuga de Maria Altmann e o marido para os Estados Unidos. É uma parte importante da história, pois nos ajuda a entender a força do desejo de Altmann e de Schoenber em recuperar as obras. O filme, aliás, termina de forma levemente melancólica. Há toda uma comemoração pela vitória. Porém Altmann conclui que ter de volta o quadro não lhe trouxe de volta a vida que foi roubada pelos nazistas. Ainda assim, “A dama dourada” é um filme que, no geral, é leve – especialmente porque Maria Altmann é mostrada como uma senhora simpática e bem-humorada contra a qual não temos como ficar.
A interpretação de Ryan Reynolds e Helen Mirren é convincente. Historiadores apontaram alguns errinhos factuais no filme, mas nada que desmereça a obra como uma bela reconstituição dos fatos.
Em suma, “A dama dourada”, embora se trate de um momento muito pesado da História recente, é relativamente leve. O diretor não apela para cenas chocantes da época do nazismo e a personagem de Maria Altmann é construída para até nos arrancar alguns sorrisos. A direção também não se perde em aspectos jurídicos complexos, que poderiam entediar ao público.
“A dama dourada” não é, enfim, um filme que faça pensar. Quando começa, o diretor já escolheu de qual lado está e leva o espectador para este mesmo lado. É uma crítica importante à obra. De toda forma, feitas estas ressalvas necessárias, é um filme a ser assistido por aqueles que gostam de Arte.
Trailer legendado de “A dama dourada”:
Onde assistir: não encontramos o filme em algum serviço de streaming, porém no YouTube é possível assistir ao filme completo, legendado, neste link. Encontramos no YouTube ainda uma versão dublada, neste link, porém nesta não são dublados os flashbacks, em alemão.
Para saber mais sobre esta mirabolante história, confira este post: “A DAMA DOURADA”: GUSTAV KLIMT, ADELE BLOCH-BAUER E OS NAZISTAS.
Para saber mais sobre o artista ou sobre a obra, confira: biografia de GUSTAV KLIMT e OBRAS DE GUSTAV KLIMT.
Para mais sobre o livro que deu origem ao filme: “A DAMA DOURADA” (LIVRO).