“Retrato do casal Arnolfini”, de Jan van Eyck, é uma das obras de Arte mais famosas de todos os tempos. Descubra neste texto as razões desta fama e outras curiosidades sobre a pintura.
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A PEQUENA GRANDE OBRA-PRIMA DE JAN VAN EYCK
“Retrato do casal Arnolfini” é a obra mais famosa do pintor flamengo Jan van Eyck (c. 1385 – 1441) e uma das obras mais famosas da História da Arte – de fato, é difícil encontrarmos um livro de Arte que não contenha uma reprodução da pintura, acompanhada de uma análise da obra e uma explicação da sua relevância.
A obra é mesmo importante e é por esta razão que merece uma página dedicada a ela, aqui em nosso site.
“Retrato do casal Arnolfini” está exposto na National Gallery, em Londres (Inglaterra) – museu que contém mais algumas obras de Jan van Eyck, incluindo “Homem de turbante vermelho”, que muitos acreditam que seja um autorretrato seu.
Quem souber da importância da obra e a vir frente a frente, no museu, talvez se espante inicialmente com seu tamanho, relativamente pequeno, 59 x 82 centímetros. Talvez esperemos que, para uma obra ser importante, ela tenha de ser monumental.
Feita em óleo sobre madeira e concluída em 1434, “Retrato do casal Arnolfini” irá, então, nos causar um segundo espanto, consequência do primeiro: como, em tão reduzido espaço, o artista conseguiu atingir tal nível de detalhismo?
Neste sentido, chama a atenção, inicialmente, o candelabro dourado, logo acima do centro da tela. Ele é quase palpável. E como o artista conseguiu reproduzir algo tão intrincado em tão poucos centímetros? Como conseguiu transmitir a sensação de iluminação lateral em apenas uma parte do objeto?
SIMBOLISMO EM “RETRATO DO CASAL ARNOLFINI”
Porém, observando melhor, notamos que o candelabro possui apenas uma vela acesa. Teria o pintor se esquecido de pintar as demais velas? Obviamente, não. Em pintura tão pequena, ainda assim Jan van Eyck conseguiu enchê-la de simbolismos. Uma superstição da época garantia que uma vela acesa ao lado do leito nupcial traria a fertilidade.
Se descermos a vista até o solo do quarto, notaremos um cão a olhar para o observador do quadro – ele simboliza a lealdade. À sua esquerda, tamancos de madeira que representam a vida doméstica. O casal usa anéis, nas mãos que não estão dadas, que apontam para a união voluntária entre o homem e a mulher.
A senhora Arnolfini tem a mão sobre o ventre e talvez espere um filho do senhor Arnolfini, embora a cena deva representar o matrimônio dos dois: Giovanni Arnolfini, comerciante italiano que vivia em Bruges, e Jeanne (Giovanna) de Chenany.
Ao fundo da cena, na parede, há um espelho, que evoca a pureza da Virgem Maria – ou a eternidade.
E talvez seja este espelho – e o que está escrito acima dele – que tenham tornado “Retrato do casal Arnolfini” a obra mais importante de Jan van Eyck e uma das mais famosas da História da Arte. Que tenham, literalmente, eternizado não apenas Giovanni e Jeanne, mas também o artista e sua obra.
![VAN EYCK, Jan - Retrato do casal Arnolfini [detalhe - espelho]](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/VAN-EYCK-Jan-Retrato-do-casal-Arnolfini-detalhe-espelho-924x1024.jpg)
A IMPORTÂNCIA DE “RETRATO DO CASAL ARNOLFINI”
Acima do espelho se lê: “Johannes de Eyck fuit hic“. Isto é, “Jan van Eyck estava presente”. Não era comum, até então, que pintores assinassem as suas obras. Eles não eram “artistas” – no sentido de seres criativamente livres – mas artesãos, a serviço de Deus, da Igreja, ou de algum patrono rico, de quem recebiam uma encomenda, a qual deveriam executar tal como foi feita.
Jan van Eyck não apenas assina a obra, mas a assina “escandalosamente”, colocando o seu nome no meio da tela!
Além disto, logo abaixo da assinatura, há o espelho. Convexo, ele reflete de forma distorcida o quarto – repare que Jan van Eyck, não satisfeito em ter feito aquele detalhado candelabro, ainda o repete, menor ainda, no reflexo do espelho. Mais do que isto, entretanto: além do casal, há mais duas pessoas no quarto – uma, supostamente, o próprio pintor. (Quatro anos depois, outro artista flamengo, Robert Campin, no “Tríptico de Werl”, também insere um espelho convexo que reflete duas pessoas. Inspirado por Jan van Eyck?)
Jan van Eyck não apenas assina a obra de forma escancarada como ainda faz um autorretrato seu – mesmo que minúsculo – no centro dela!
É por estas ousadias que se pode dizer que Jan van Eyck “inventou o artista”. O pintor – que chegou a fazer parte da corte do duque Filipe III – claramente não se sentia um artesão qualquer.
(Isto culminaria com o espanhol Diego Vélazquez, em 1656, se representando enorme no centro do quadro “As meninas”. Mas seria possível Vélazquez sem Jan van Eyck?)
JAN VAN EYCK E A INVENÇÃO DA PINTURA A ÓLEO
A Jan van Eyck é atribuída a invenção da pintura a óleo. A afirmação é um exagero – há, por exemplo, registros que datam do ano 650, feitas em cavernas do atual Afeganistão, que mostram desenhos feitos com a técnica. Mas a verdade é que durante toda a Idade Média, a Pintura praticamente não existiu, muito menos a óleo.
A partir de 1350, entretanto, os italianos começaram a pintar – porém com têmpera, feita à base de gema de ovo. A têmpera seca muito rapidamente, entretanto, o que não permite um trabalho mais refinado.
Antes de Jan van Eyck, outros tentaram o uso do óleo como base, porém o resultado também não era satisfatório. Jan van Eyck e seu irmão Hubert desenvolveram um método que se provaria excelente. E, com ele, poderiam pintar com calma e atingir um naturalismo e um detalhismo nunca antes visto.
De fato, qualquer centímetro de “Retrato do casal Arnolfini” é uma demonstração não apenas do que a pintura a óleo poderia entregar – mas do que poderia entregar na mão de um gênio paciente como Jan van Eyck. Não iremos descrever a obra, aqui, centímetro por centímetro – basta ao leitor observá-la com atenção. Em tudo, absolutamente tudo, Jan van Eyck foi cuidadoso – de uma forma obsessiva até.
Do vitral na janela aos pelos do cãozinho. O desenvolvimento da pintura a óleo permitiu que o pintor construísse camada por camada da pintura, a princípio com tons mais leves, depois com tons mais escuros, construindo gradações e sombras que se manifestam de forma esplêndida, por exemplo, no vestido da senhora Arnolfini.
Quando a Pintura surge, no meio do século 14, na Itália, é pouco a pouco que os pintores começam a estudar a perspectiva, a dominá-la. Enquanto os italianos contemporâneos seus ainda se debatiam com ela, Jan van Eyck parece que já nasceu dominando-a – parece tão natural que, é curioso, os livros de História da Arte, ao comentarem a obra, até se esquecem de apontar a maestria do artista neste aspecto, tão embriagados que estão com o brilho proporcionado pela tinta a óleo.
O ESTILO DE JAN VAN EYCK
Jan van Eyck é considerado o principal nome da Pintura Flamenga, nome genérico dado à Arte da época feita em Flandres e adjacências. O movimento composto por artistas como os irmãos Eyck, Rogier van der Weyden, Hieronymus Bosch e Lucas Cranach (“O Velho”) ficaria conhecido também como Renascimento Nórdico.
A Pintura “nasce” com Giotto di Bondone e outros na Itália, algumas décadas antes de Jan van Eyck e seus conterrâneos, contemporâneos desenvolverem a pintura a óleo. Enquanto “a turma da Itália” (especialmente Florença e Siena), fez seus afrescos em têmpera e começou a desenvolver a perspectiva, libertando a Arte das amarras do rígido estilo bizantino, a “turma de Flandres” desenvolveu a pintura a óleo e conseguiu um naturalismo muito maior em suas pinturas.
A influência da Itália foi importante para Flandres, mas Flandres também influenciaria a Itália, e quando os dois movimentos se encontram, temos o chamado Alto Renascimento, quando os italianos pegaram tudo o que havia de melhor na Arte Flamenga e transpuseram para as suas telas. Viriam aí, então, Sandro Botticelli, Leonardo da Vinci e outros.
Não se pode entender, portanto, o Renascimento como um produto exclusivamente italiano. A influência da Arte Flamenga será enorme, tanto na técnica, quanto na liberdade criativa que os pintores de Flandres adotaram, ao fugirem de temas exclusivamente bíblicos. E, dentro desta influência, o nome de Jan van Eyck é um dos principais, se não o maior.
MISTÉRIOS DO “RETRATO DO CASAL ARNOLFINI”
Apesar de toda a importância que tem “Retrato do casal Arnolfini”, há muitas dúvidas, imprecisões e mistérios em torno do quadro.
A começar, pelo nome. Algumas fontes o chamam de “Casamento dos Arnolfini”. Outras, de “Arnolfini e sua esposa”.
Isto porque há uma certa incerteza sobre a identidade da mulher retratada, a qual alguns acreditam que seja a segunda esposa de Giovanni – sobre quem também há quem aponte que era banqueiro, e não comerciante. De toda forma, como Jan van Eyck, deveria fazer parte da corte de Filipe III.
O simbolismo da obra também é confuso. A vela pode representar o olhar onisciente de Deus. Os sapatos descalços podem remeter a uma passagem bíblica: “Tire as sandálias dos pés, pois o lugar em que está é a terra santa.” (Êxodo 3,5)
O cão pode representar a luxúria – isto é, o desejo de conceber um filho. Santa Margarida, padroeira dos partos, está logo abaixo do candelabro, à direita. Mas não estaria a mulher grávida? Possivelmente, não – a barriga saliente poderia ser um sinal de beleza, na época (de fato, a Eva retratada no retábulo de Gante, obra intitulada “A adoração do cordeiro místico”, também tem uma barriga proeminente).
Na verdade, enquanto uma hipótese diz que a obra pode ter sido encomendada como uma espécie de documento, que registra o casamento, outra é mais macabra, e diz que pode ter sido feita como uma espécie de memorial para uma esposa já morta, talvez no parto do filho…
SAIBA MAIS:
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