BIOGRAFIA DE ROBERT CAMPIN
![CAMPIN, Robert - Autorretrato- [detalhe do Retábulo de Mérode]](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/CAMPIN-Robert-Autorretrato-detalhe-do-Retabulo-de-Merode.jpg)
Robert Campin, ao lado de Jan van Eyck, é considerado um dos fundadores da Pintura Flamenga – embora hoje não tenha tanto reconhecimento quanto o colega, apesar de ambos terem grande mérito na criação do chamado “Renascimento Nórdico”. (Há um registro inclusive de que os dois grandes artistas chegaram a se encontrar, em 1427.)
Acredita-se que o Robert Campin tenha nascido por volta de 1375, em algum local próximo a Tournai ou na própria cidade belga, onde desenvolveu sua carreira.
Ironicamente, aparentemente não há nenhuma pintura ou desenho que retrate o rosto deste grande pintor de retratos, embora há quem creia que uma figura pequena e humilde que aparece no fundo do “Retábulo de Mérode” (ver adiante) possa ser o pintor. (Adiante mostraremos outro possível autorretrato do artista, escondido em um detalhe muito pequeno de uma obra.)
Em Tournai, onde acabou se tornando o principal artista da cidade, Robert Campin supostamente foi professor de Rogier van der Weyden, outro grande mestre da Pintura Flamenca. Registros documentais mostram que Campin recebeu várias encomendas, tanto de autoridades religiosas quanto civis.
Robert Campin enriqueceu e adquiriu várias propriedades, com o dinheiro recebido por seus trabalhos.
A vida de Robert Campin parece ter sido muito agitada, embora às vezes os detalhes sobre sua biografia sejam escassos ou contraditórios. No início da década de 1420, o pintor talvez tenha participado de uma revolta das guildas (oficinas), que passaram a governar a cidade. Quando o antigo poder foi restaurado, Robert Campin, que era diretor da guilda dos pintores, foi obrigado, como pena, a fazer uma peregrinação até uma longínqua cidade no sul da França. (Fez? Não encontramos confirmação.)
Além disto, Robert Campin, que era casado, se envolveu em um caso extra-conjugal. Descoberto, foi condenado a uma pena de “banimento” (da cidade?), por um ano. Uma pessoa importante interferiu pelo artista e a pena foi convertida em multa.
OBRAS DE ROBERT CAMPIN
Até mesmo as obras hoje atribuídas a Robert Campin são alvo de controvérsias, já tendo sido apontadas como executadas por outros artistas ou mesmo por desconhecidos.
“A anunciação”, ou “Retábulo [ou Tríptico] de Mérode”, feita por volta de 1425-30, foi, por muito tempo, atribuída genericamente a um “Mestre de Flémalle” (cidade da Bélgica onde esta e outras obras de mesmo estilo foram encontradas, em um mosteiro). Historiadores já propuseram que a obra foi pintada por Jacques Daret ou por Rogier van der Weyden. Hoje acredita-se que o Mestre de Flémalle nem mesmo de Flémalle era: teria sido mesmo Robert Campin.
![CAMPIN, Robert - A Anunciação [Retábulo de Mérode]](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/CAMPIN-Robert-A-Anunciacao-Retabulo-de-Merode-1024x521.jpg)
[Clique na imagem para ampliá-la e ver seus encantadores detalhes.]
A obra, feita em óleo sobre madeira e medindo117 por 64 centímetros, está no Metropolitan Museum of Art, em Nova York (Estados Unidos).
“Retrato de uma mulher”, feita por volta de 1435, pensa-se, é um complemento a “Retrato de um homem”, que também data da mesma época. Não se sabe quem são as pessoas retratadas, mas acredita-se que deveriam ser casados – além de possuírem uma boa condição econômica, para custear a execução das pinturas.
![CAMPIN, Robert - Retrato de um homem](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/CAMPIN-Robert-Retrato-de-um-homem-696x1024.jpg)
![CAMPIN, Robert - Retrato de uma mulher](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/CAMPIN-Robert-Retrato-de-uma-mulher-695x1024.jpg)
O par de retratos repousa na National Gallery, em Londres (Inglaterra). Ambas as obras, feitas em óleo e têmpera sobre um painel de madeira, medem 28 por 40 centímetros.
Um detalhe minúsculo, em “Retrato de uma mulher”, que foi percebido por poucos, é bem curioso. Segundo alguns enxergam, dentro do anel da mulher há um rosto desenhado!
![CAMPIN, Robert - Retrato de uma mulher [detalhe - autorretrato-]](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/CAMPIN-Robert-Retrato-de-uma-mulher-detalhe-autorretrato-.jpg)
Seria um autorretrato de Robert Campin?
Para muitos, entretanto, isto nem mesmo seria um rosto, e sim um fenômeno de pareidolia – isto é, aquele fenômeno psicológico onde enxergamos o que queremos ver, onde estas coisas não existem, como ver formatos de animais nas nuvens. Talvez a “figura” seja mesmo apenas um borrão de tinta que acidentalmente lembra um rosto…
Uma outra obra curiosa de Robert Campin é “A Virgem e o menino diante de um guarda-fogo”.
![CAMPIN, Robert - A Virgem e o menino diante de um guarda-fogo](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/CAMPIN-Robert-A-Virgem-e-o-menino-diante-de-um-guarda-fogo-784x1024.jpg)
O título da pintura já é estranho. Um guarda-fogo é uma placa que se coloca nas lareiras para prevenir incêndios. Então não vemos a esperada aura da Virgem, mas o guarda-fogo! O menino Jesus parece olhar para o observador da pintura, com um olhar curioso. Sem muito pudor, Robert Campin retrata, ainda, a Virgem não apenas com um seio de fora, mas pressionando um mamilo. Embora isto possa parecer hoje um pouco estranho, conta-se que o “leite de Maria” era considerado uma relíquia e substância milagrosa, na Idade Média. (Na verdade, a crença no poder mágico do leite pode vir desde as Vênus Pré-Históricas: muitas têm seios enormes. Na Antiguidade, a Via Láctea simbolizava a deusa Ísis, uma mãe piedosa e cuidadora.)
A cena, enfim, é extremamente naturalista. Afinal, o menino precisava mesmo ser amamentado. Afinal, se Jesus houvesse nascido nos dias de Robert Campin, provavelmente haveria um guarda-fogo na casa da Virgem. Afinal, a Virgem real provavelmente não tinha uma aura dourada. Etc. Porém, não era isto o que se esperava de uma cena cristã! Uma virgem quase plebeia! Um Virgem muito mais terrena do que celestial… Isto demonstra não apenas a criatividade de Robert Campin, mas que em Flandres os dogmas da Igreja Católica não tinham o mesmo peso que na Itália.
Repare que o rosto da Virgem, aqui, é muito semelhante ao da mesma personagem em “A Anunciação”. Falta de criatividade de Robert Campin ou coerência? A modelo era a mesma?
De toda forma, na pintura chama a atenção, ainda, o detalhismo, uma característica observável em todos os mestres da Arte Flamenga. Pela janela da casa da Virgem, por exemplo, vemos a cidade, ao fundo, pintada com a mesma minúcia, a mesma delicadeza de toda a cena que se passa em primeiro plano.
Esta curiosa obra, executada por volta de 1440, em óleo e têmpera sobre madeira, medindo 50 por 64 centímetros, também se encontra na National Gallery.
Em “Retrato de Santa Verônica”, o artista conseguiu a fina proeza de representar o chamado “Véu de Verônica”. De acordo com a tradição, Verônica, comovida com o sofrimento de Cristo enquanto este carregava a cruz, deu-lhe um véu para que este se enxugasse o suor e o rosto de Jesus ficou marcado neste pano. Robert Campin consegue desenhar com maestria a transparência deste véu.
![CAMPIN, Robert - Retrato de Santa Verônica](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/CAMPIN-Robert-Retrato-de-Santa-Veronica.jpg)
A obra, feita em óleo sobre madeira, aproximadamente em 1410, mede 61 x 151 centímetros e repousa no Museu Städel, em Frankfurt (Alemanha).
Robert Campin, como vários outros mestres da Pintura Flamenga, era obcecado com detalhes. Observemos o “Tríptico de Werl”.
![CAMPIN, Robert - Tríptico de Werl](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/CAMPIN-Robert-Triptico-de-Werl-937x1024.jpg)
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O tríptico hoje é um díptico, como se percebe – o painel central foi perdido. A obra, em óleo sobre painel de carvalho, mede apenas 47 x 101 centímetros, e está no Museu do Pardo, em Madri (Espanha).
A pintura, do seu lado esquerdo, apresenta a pessoa que pagou por ela, Heinrich von Werl, líder da cidade de Colônia, na Alemanha – e São João Batista. à direita, acredita-se que seja Santa Bárbara, que a tradição diz que foi aprisionada em uma torre por seu pai para “protegê-la” dos homens que a cortejavam – embora seu rosto seja praticamente idêntico ao da Virgem em “A Anunciação” e “A virgem e o menino diante de um guarda-fogo”…
Contudo, o tema da obra não é tanto o que nos importa, agora.
Se fosse necessário escolher apenas uma pintura para explicarmos o que era a Arte Flamenga, esta obra poderia ser uma excelente candidata. Nela vemos todas as preocupações dos artistas flamengos. A sua necessidade incontrolável de reproduzir cada objeto com uma perfeição inquestionável, mesmo que em um painel tão pequeno, o que os obrigava a pintar com uma delicadeza e cuidado extremos.
Pare por alguns minutos e observe cada detalhe da cena. A chaleira dourada. A estátuas nas paredes! Tudo! Provavelmente só não há uma minúscula lagartixa na cena porque não havia nenhuma lagartixa na casa que serviu de inspiração para o pintor…
Aquele espelho no painel esquerdo não parece um pouco deslocado, desnecessário? Talvez. O “Tríptico de Werl” foi feito em 1438, quatro anos depois do famoso “Retrato do casal Arnolfini”, de Jan van Eyck, obra onde um espelho convexo rouba a cena. Teria Robert Campin visto o trabalho do colega e, como um auto-desafio, tentado provar para si mesmo que era capaz do mesmo feito? Teria tentado mostrar que era ainda mais capaz? Que não se pense que artistas sejam pessoas “superiores”, que não têm ego… Como mostra Sebastian Smee em “A Arte da Rivalidade”, a competição “do bem” (e às vezes a “do mal”) sempre existiu entre os artistas e, em parte, foi o que fez a Arte evoluir.
Ainda analisando o detalhismo da Arte Flamenga, vejamos também a impressionante obra “O casamento da Virgem”, feita provavelmente na década de 1420, em óleo sobre madeira, e que hoje também está no Museu do Prado.
![CAMPIN, Robert - O casamento da Virgem Maria](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/CAMPIN-Robert-O-casamento-da-Virgem-Maria-1024x895.jpg)
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A obra, representando cenas do Velho Testamento e a união de Maria e José, pretende apontar para a surgimento do Catolicismo, a transição para o Novo Testamento.
O que talvez seja o mais espantoso nesta obra, que mede apenas 88 x 77 centímetros, é que em espaço relativamente tão pequeno Robert Campin tenha conseguido representar com tanto detalhe e profundidade dois edifícios tão elaborados, tão rebuscados…
Por fim, necessário falarmos dos rostos, não apenas nesta obra, como em todas de Robert Campin.
![CAMPIN, Robert - O casamento da Virgem Maria [detalhe]](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/CAMPIN-Robert-O-casamento-da-Virgem-Maria-detalhe.jpg)
Aliás, não apenas nas de Robert Campin, mas na de quase todos os artistas da Pintura Flamenga. Com o desenvolvimento da técnica da pintura a óleo, estes artistas conseguiram dar um realismo já tentado (pelos italianos), mas nunca antes visto, na História da Pintura. Cada face tem uma expressão distinta, tem uma “personalidade”, cada rosto tem… um rosto próprio!
Para finalizarmos a exposição das obras de Robert Campin, um rosto. Uma de suas mais famosas pinturas, que foi apelidada de “Retrato de um homem gordo” (ou, mais politicamente correto: “Retrato de um homem robusto”).
![CAMPIN, Robert - Retrato de um homem gordo](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/CAMPIN-Robert-Retrato-de-um-homem-gordo-624x1024.jpg)
Há duas versões da obra, quase idênticas, uma no Thyssen-Bornemisza, em Madri, e a acima na Gemäldegalerie, em Berlim (Alemanha). Feita em óleo sobre madeira, a pintura mede apenas 21 por 31 centímetros. O rosto do retratado e a virtuose de Robert Campin é palpável – podemos sentir, por exemplo, a aspereza da barba recém-feita do homem.
A identidade do retratado é desconhecida – talvez um conde – e não se sabe a razão de Robert Campin ter feito duas versões da mesma obra – curiosamente, na outra, o rosto do personagem está mais liso. Teria o pagante da obra ficado insatisfeito com o aspecto desleixado da versão acima?
Robert Campin morreu em 1444 e, embora possa ter sido o pai da Pintura Flamenca, seu nome foi praticamente relegado a uma nota de rodapé na História da Arte, o que não condiz com sua importância – e com o seu talento e criatividade, conforme se pode ver nas pinturas acima. Talvez este relativo esquecimento de Robert Campin se deva ao fato de que apenas no século 20 obras como as atribuídas ao “Mestre de Flémalle”, após terem sido estudadas por historiadores mais dedicados, passarem a ser atribuídas ao artista. A injustiça histórica pode ser desfeita, ainda.
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