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A IMPORTÂNCIA DE JAN VAN EYCK
![VAN EYCK, Jan - Homem do turbante vermelho [Autorretrato-]](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/VAN-EYCK-Jan-Retrato-de-um-homem-Autorretrato--746x1024.jpg)
Nascido por volta de 1380 ou 1390, em uma pequena cidade que hoje pertence à Bélgica (Maaseik, que ainda hoje conta com apenas 25 mil habitantes), Jan van Eyck iria revolucionar a Pintura. Embora a palavra “revolução” às vezes seja utilizada de forma exagerada, no caso de Jan van Eyck ela parece apropriada. Embora não tenha sido “o” inventor da pintura a óleo e nem o primeiro a buscar o naturalismo na Pintura, o nível que Jan van Eyck estabeleceu nestes dois quesitos estabeleceria um novo patamar a ser alcançado – primeiramente, pelos seus conterrâneos de Flandres; depois, quando a Pintura Flamenga começava a influenciar o resto da Europa, pelos vindouros artistas do Renascimento. Porém seria difícil alcançar Jan van Eyck – superá-lo, então, seria quase impossível.
Jan van Eyck é considerado também um dos fundadores da Arte do retrato e, mesmo neste tipo de pintura, o detalhismo visto em suas obras é quase inacreditável, quase irreal.
Uma observação rápida das obras de Jan van Eyck já nos permitiria chegar às conclusões acima. Porém uma observação mais atenta, mais demorada, nos permitirá perceber algo mais: Jan van Eyck foi um dos primeiros artistas a assinar as suas obras. E qual a importância disto? Enorme, na História da Arte! Pois a História da Arte, como a entendemos hoje, não é apenas a História de movimentos artísticos, de obras – mas também a História dos artistas, dos homens (e mulheres) que criaram estas obras. Afinal, foram personalidades – conformadas ou contestadoras, calmas ou atormentadas – que ou defenderam os movimentos em voga em cada época ou os confrontaram, fazendo a roda da História girar. Antes da época de Jan van Eyck, entretanto, não existiam “artistas” – existiam “artesãos”, obedecendo ao sistema e ao mercado, fazendo mais do mesmo, apenas executando as encomendas que recebiam de seus patronos (geralmente a Igreja ou monarcas). Eram profissionais dedicados, muitos talentosos, mas que precisavam sobreviver. Quando surge o artista, este descobre a sua liberdade e começa a usar sua criatividade.
Mais do que assinar seus quadros: Jan van Eyck teve a ousadia de se retratar neles, mesmo quando pintava para poderosos, como em “O casal Arnolfini” (ver adiante). Além disto, é possível que a obra hoje intitulada “Homem do turbante vermelho” (acima) seja um autorretrato. Se é, foi um dos primeiros autorretratos na História da Pintura. Embora a tela seja muito pequena (19 x 26 cm), foi uma enorme ousadia – artesãos eram pagos para retratar poderosos; apenas uma pessoa com uma consciência muito elevada de si mesmo teria a segurança de executar tal feito. [O pequeno grande retrato está na National Gallery, em Londres, Inglaterra.]
Novamente: não foi Jan van Eyck que inventou “o” artista, ele não foi o primeiro a assinar suas obras. Foi um dos primeiros. Porém quando se juntam todos estes fatores em que ele foi um dos pioneiros e um dos melhores executores, percebe-se a sua importância. Embora Giotto di Bondone (c. 1267 – 1337) possa ser considerado “o Pai da Pintura Moderna”, não seria demais se chamássemos Jan van Eyck de “o Inventor do Artista”.
VIDA (BIOGRAFIA) DE JAN VAN EYCK
Não se sabe muito sobre os primeiros anos de vida de Jan van Eyck. Há alguma dúvida até sobre onde teria mesmo nascido, embora se acredite que provavelmente tenha sido em Maaseik – que na época se chamava Maaseyck, daí o nome do pintor.
O que não há dúvidas é que, na vida adulta, a qualidade do seu trabalho logo foi reconhecida e ele foi convidado para a corte de um conde holandês, João da Baviera, e, após a morte deste, para a do duque de Borgonha, Filipe III, “O Bom”, a partir de 1425.
Jan van Eyck passou a maior parte de sua vida em Bruges, na corte, onde acabaria por se tornar até confidente de Filipe. Jan van Eyck também servia ao duque até mesmo em missões diplomáticas, tendo sido enviado para Portugal e Espanha com este fim. Também consta que Jan van Eyck teria viajado à Itália, onde certamente deve ter visto o que os pintores locais andavam fazendo.
Em Portugal sua missão foi um romântica-econômica: foi sondar a possibilidade de um casamento entre Filipe e a duquesa Isabella – aparentemente o pintor foi bem-sucedido, já que Isabella se tornaria a terceira esposa de Filipe. Diz a lenda que Jan van Eyck, como excelente retratista que era, foi para Portugal com a missão de pintar Isabella e enviar o quadro a Filipe, para que este visse se a pretendente era bonita ou não. Jan van Eyck deve ter feito um belo desenho de Isabella (a pintura atualmente se encontra perdida), já que, quase um ano depois de chegar em Portugal, volta para Burges levando Isabella ao encontro de Filipe…
Por todas estas tarefas, Jan van Eyck receberia, além do seu pagamento mensal, mais dois cavalos por ano – mais o direito de possuir um serviçal. A liberdade financeira parece ter-lhe dado a liberdade criativa.
O artista recebeu então um título oficial, que lhe permitiu viajar muito. Na cidade de Gante, com o irmão Hubert, Jan van Eyck realizou uma de suas obras mais importantes, um retábulo gigante chamado de “A adoração do cordeiro místico” (ver adiante).
![VAN EYCK, Jan - Margaret van Eyck](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/VAN-EYCK-Jan-Margaret-van-Eyck.jpg)
Em 1430, Jan van Eyck foi nomeado pintor oficial de Bruges. Por volta de 1432 comprou uma casa na cidade e se casou com uma mulher chamada Margaret, nome de solteira desconhecido.
Apesar da fama atual de Jan van Eyck – e da alcançada enquanto vivo – não se sabe muito mais sobre a vida pessoal do artista. Tampouco sobre o seu irmão, sobre quem supõe-se que também tenha feito parte da corte de Filipe III. Até mesmo a data de nascimento dos dois é incerta, porém sobre Hubert sabe-se que era bem mais velho do que Jan, talvez uns 20 anos, e que também morreria bem antes de Jan: Hubert faleceria em 1426, Jan van Eyck em 1441, ambos em Bruges.
Quando Jan morreu, o duque Filipe III deu-lhe uma boa pensão, porém aparentemente ela gastou boa parte em apostas.
HUBERT VAN EYCK
Hubert van Eyck talvez mereça mais do que ser conhecido como “o irmão desconhecido de Jan van Eyck”.
O problema é que não há nenhuma obra conhecida atualmente à qual se possa atribuir, de forma indiscutível, a autoria exclusiva do pintor. Por sinal, Margareta e Lambert, irmãos de Jan e Hubert, também foram pintores, e destes se sabe menos ainda.
Hubert era bem mais velho do que Jan e ambos trabalharam juntos. É possível que muitas das inovações que hoje atribuímos a Jan tenham sido ideias ou criações de Hubert. É claro que Jan não deve ter tentado ofuscar Hubert ou roubar deste certos méritos. A própria construção da História da Arte é que foi apagando o nome do primeiro enquanto elevava o do segundo – que assinava suas obras.
Conforme se verá, entretanto, a História começa a resgatar Hubert. Quando mais se desenvolvem as técnicas de datação e de atribuição de autoria, mais poderemos reconhecer a influência de Hubert sobre Jan – e, portanto, a importância de Hubert para a História da Pintura e da Arte Ocidental.
A “INVENÇÃO” DA PINTURA A ÓLEO
Aos irmãos Eyck e a Hubert é atribuído o desenvolvimento da técnica de pintura a óleo.
Atribuir a eles a invenção é um exagero – cometido por historiadores famosos como Giorgio Vasari, em “Vida dos artistas”, e Gombrich em “A história da Arte”.
Exagero perdoável, conforme se verá, mas a verdade é que outros antes deles já haviam tentado, porém a tinta demorava muito a secar e o verniz aplicado em cima, para tentar solucionar o problema, acabava por escurecer as cores.
Um dos primeiros registros de pinturas feitas com óleo datam de por volta do ano 650, em paredes de cavernas no atual Afeganistão.
No século 12, na Europa, o monge Roger de Helmarshausen escreveu a obra “De diversis artibus“, onde descrevia como se poderia misturar diversos pigmentos ao óleo.
O fato, entretanto, é que a pintura a óleo, antes dos irmãos Eyck, praticamente não existia, por conta daquelas dificuldades. Aliás, nem mesmo a Pintura era uma Arte muito praticada durante toda a Idade Média, não até os italianos Cimabue, Duccio e Giotto, após o ano 1350, começarem a expressar cenas religiosas assim, abandonando a tradição dos mosaicos que caracterizava a Arte Bizantina.
Entretanto os pintores italianos realizavam as suas pinturas, geralmente, através da têmpera, onde os pigmentos são misturados a gema de ovo. O problema da têmpera é que seca muito rapidamente, não podendo ser estocada, o que exige que a obra tenha de ser feita de forma acelerada, com pouca margem para retoques e revisões. Estas pinturas eram comumente feitas em paredes revestidas por argamassa fresca, daí o seu nome, vindo do italiano: “afrescos”.
Os irmãos van Eyck desenvolveram um método que resolvia os problemas da pintura a óleo.
Eles utilizavam óleo de noz misturado a óleo de linhaça. Este era levemente aquecido ao sol antes do uso, o que dava início a um processo químico que permitia que a tinta formada com os óleos e os pigmentos secassem na velocidade adequada para a pintura.
Com o sucesso que obtiveram, os irmãos resolveram guardar o segredo.
Até que o pintor italiano Antonello da Messina, que estava trabalhando em Bruges, descobriu o método dos irmãos e espalhou a fórmula. Uma atitude que, para os irmãos, pode ter sido bem desagradável, mas que o mundo da Arte agradeceria…
OBRAS (PINTURAS) DE JAN VAN EYCK
Há cerca de 20 pinturas atribuídas a Jan van Eyck. Metade delas estão assinadas com um gracejo feito pelo pintor: “Als Ich Can” (“Como eu posso”), um trocadilho auditivo com seu sobrenome que ele pintava com letras gregas, o que demonstra um nível de cultura clássica incomum para a época.
“A adoração do cordeiro místico”, também chamada de “Retábulo de Gante” (ou Ghent), é uma das obras mais admiradas de Jan Van Eyck, porém há uma grande controvérsia sobre sua autoria. Não que se duvide que o artista tenha trabalhado nela, porém o que se debate atualmente é o quanto Hubert van Eyck, irmão do pintor, auxiliou no trabalho – há quem defenda que a pintura seja mais obra de Hubert do que de Jan van Eyck, que teria apenas terminado a pintura após a morte do irmão. Foi encontrada, em uma parte do quadro, as inscrições “Hubert, o maior de todos” e “Jan, o segundo melhor”. Alguns historiadores acreditam, entretanto, que isto possa ser apenas uma homenagem de Jan ao irmão.
![VAN EYCK, Jan e Hubert - Adoração do cordeiro místico [Retábulo de Ghent]](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/VAN-EYCK-Jan-e-Hubert-Adoracao-do-cordeiro-mistico-Retabulo-de-Ghent-1024x748.jpg)
[Clique na imagem para ver a pintura em detalhes.]
O retábulo, finalizado em 1432, está na Catedral de São Bavo, em Gante, foi feito em óleo sobre carvalho e, aberto, como visto acima, com todas as peças colocadas lado a lado, ele alcança 3,4 metros de largura por 5,2 m de altura.
Com o exagerado tamanho da obra, foi possível representar Cristo em tamanho natural, no centro da pintura. À sua direita está São João Batista e, à esquerda, Maria – o livro que lê traz o simbolismo da mãe de Cristo como representante da Sagrada Sabedoria (Hagia Sofia), uma fusão de crenças aceitável na época, assim como a nudez pouco escondida de Eva, na parte superior direita do retábulo. Acredita-se que a representação de Adão e Eva seja a primeira vez, na História da Pintura, em que nus foram pintados a partir de modelos vivos. Mais uma inovação para a conta de Jan van Eyck!
A adoração do cordeiro, citada no título da obra, aparece no painel central inferior.
Fechada, a parte principal do Retábulo de Gante tem 2,23 metros de largura e 3,50 metros de altura e mostra a seguinte pintura:
![VAN EYCK, Jan e Hubert - Retábulo de Ghent [fechado]](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/VAN-EYCK-Jan-e-Hubert-Retabulo-de-Ghent-fechado-694x1024.jpg)
“A adoração do cordeiro místico” é uma obra que já sofreu muito. Apenas tentativas de roubo, já foram sete! Partes da foram vendidas pela própria Catedral. Um incêndio já danificou o retábulo. Alemães o confiscaram durante a Primeira Guerra Mundial. Durante a Segunda Guerra, foi parar novamente com os alemães… Tantas peripécias levaram a uma necessidade de restauração, ocorrida a poucos anos – à vista do público, que teve a oportunidade de ver a obra e o minucioso trabalho dos restauradores – protegidos por uma caixa de vidro, claro, tamanha a cobiça que a obra desperta. Entretanto, “A adoração do cordeiro místico”, assim como o nome de Jan van Eyck, parece destinada a sobreviver eternamente.
[As peripécias pelas quais passou “A adoração do cordeiro místico” e outras histórias incríveis pelas quais várias outras obras de Arte famosas já viveram – como o roubo da “Mona Lisa” – estão contadas no excelente livro “UM VAN GOGH NO GALINHEIRO”, de Maureen Marozeau. Confira!]
[A história da recuperação do “Retábulo de Gante” e de outras obras de Arte roubadas pelos nazistas também aparece no filme “Caçadores de obras-primas”, de 2014, com George Clooney e Matt Damon.]
A Jan van Eyck também é atribuída outra ousadia: um dos primeiros nus aparentemente “mal-intencionados” da História da Pintura. Isto é, um nu feito sem que o artista tivesse de disfarçar sua intenção com cenas da Bíblia ou da Mitologia Grega.
A obra em questão é chamada de “Mulher ao banho” e na verdade o que resta dela são duas cópias, feitas cerca de 60 anos depois da morte de Jan van Eyck, por artistas desconhecidos.
![VAN EYCK, Jan - Mulher ao banho](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/VAN-EYCK-Jan-Mulher-ao-banho-1-596x1024.jpg)
A cópia mede modestos 16 x 27 centímetros e está em um museu relativamente desconhecido, o Fogg Museum, ligado à Universidade de Harvard (Estados Unidos).
Uma curiosidade: a obra é uma de várias representadas no espantoso quadro “A galeria de Cornelius van der Geest” de Willem van Haecht. Tente encontrá-la!
“RETRATO DO CASAL ARNOLFINI”
A obra mais famosa de Jan van Eyck (e apenas dele), entretanto, provavelmente seja “Retrato do casal Arnolfini”. A pintura aparece em quase todo livro de Arte.
[Clique na imagem para ampliá-la.]
A obra, vista numa reprodução, como aqui, nos faz imaginar que seja gigante, porém tal detalhismo foi alcançado por Jan Van Eyck em apenas 59 x 82 centímetros. “Retrato do casal Arnolfini”, que data de 1434 e foi feita em óleo sobre madeira, está na National Gallery, assim como o suposto autorretrato do pintor.
De fato, embora “A Adoração” tenha um primor técnico inacreditável, “Retrato do casal Arnolfini” tem isto e um quê a mais, responsável pela sua fama. O segredo está em um detalhe, visto no espelho convexo.
![VAN EYCK, Jan - Retrato do casal Arnolfini [detalhe - espelho]](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/VAN-EYCK-Jan-Retrato-do-casal-Arnolfini-detalhe-espelho-924x1024.jpg)
Ao primeiro olhar, chama a atenção a capacidade do pintor de representar, na borda do espelho, 10 cenas da vida de Cristo. Porém em seu centro está a cena que chocou os críticos de Arte: Jan van Eyck, aparentemente, representa a si mesmo pintando o casal, atrás do cavalete. Um pintor meter-se assim, no centro de uma cena, mesmo que minusculamente, mesmo que quase imperceptivelmente, foi uma decisão atrevida para a época.
Menos indiscreto que a sua representação no espelho é a escrita logo acima deste: “Jan van Eyck esteve aqui”. Como se gravado na parede do quarto.
Sim, Jan van Eyck esteve ali, como testemunha – e graças a esta e outras ousadias do pintor, nós é que hoje somos testemunhas do quão grande artista ele foi.
Jan van Eyck foi um verdadeiro mago do pincel.
.: Há tantos detalhes e tanto simbolismo nesta obra e ela é tão importante para a História da Arte que ela merece uma página apenas para a sua análise. Confira em “RETRATO DO CASAL ARNOLFINI” – Jan van Eyck.
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