Em outra página, contamos a vida mostramos algumas obras de quatro artistas pouco conhecidos da Arte Flamenga, do período conhecido como Renascimento Nórdico: Jacques Daret, Petrus Christus, Stefan Lochner, Dieric Bouts e Jean Fouquet.
Aqui, conheça um pouco da biografia e veja as pinturas de mais outros cinco importantes artistas da época.
HANS MEMLING
Hans Memling (c. 1435 – 1494) nasceu na região da atual Alemanha, mas passou a maior parte de sua vida em Bruges (atual Bélgica), após talvez ter estudado com Rogier van der Weyden, em Bruxelas.
Após a morte de Petrus Christus, Hans Memling assumiu o posto de pintor mais importante de Bruges. A maior parte de seu trabalho consiste em painéis devocionais pequenos, feitos para particulares. Era o ganha-pão cotidiano dos artistas de Flandres. Porém os artistas mais disputados eram bem recompensados, já que Memling aparecem, em 1480, em uma lista dos cidadãos mais ricos da cidade.
Hans Memling se casou e teve três filhos e sobre a sua vida particular pouco mais se sabe.
Muitas das obras não convencionais de Hans Memling são interessantes. Separamos três, aqui.
“O Juízo Final” de Hans Memling é menos caótico do que o de Stefan Lochner, porém, ainda assim – talvez o dia do Juízo Final vá ser mesmo um dia conturbado como estas pinturas…
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A obra foi feita por volta de 1470, em óleo sobre madeira, e mede 3,06 por 2,25 metros. Está no Museu Nacional de Gdansk, na Polônia.
O trabalho mais impressionante de Hans Memling talvez seja “Cenas da Paixão de Cristo”, em que o artista representou todas as 23 cenas em um plano contínuo!
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“Cenas da Paixão de Cristo”, também feita por volta de 1470, em óleo sobre madeira, mede apenas 92 por 56 centímetros (é impressionante a habilidade de desenho de Hans Memling!) e está na Galleria Sabauda, em Turim (Itália).
Por fim, uma obra espantosa, em vários sentidos: “A vaidade terrena e a salvação Divina”. Frente e verso da pintura abaixo.
A obra foi feita por volta de 1480, em óleo sobre painel de carvalho e está no Museu de Belas Artes de Strasbourg (França). Cada painel mede 15 por 22 centímetros.
A caveira é um memento mori – lembrança da morte – que aparentemente começa a se tornar cada vez mais presente numa Europa assolada pela Peste Negra. Sob ela, em latim, se lê: “Pois eu sei que o meu redentor vive, e no último dia ressuscitarei, e serei novamente vestido com a minha pele, e na minha carne verei a Deus, meu salvador.” A citação vem do Livro de Jó (19, 25:26). Sob o esqueleto “vivo” e sorridente: “Este é o fim do homem; sou como lama [ou barro] e volto ao pó e às cinzas.”
Porém o mais “assustador” na obra talvez seja a ousadia de Hans Memling de representar um nu feminino que, apesar de ainda ligado a uma fábula moral, é bastante desinibido – e, pelo visto, Memling conhecia mais a anatomia feminina do que Jean Fouquet…
Entre historiadores da Arte a obra também gerou muito debate. Sobre a autoria, sobre a quantidade e disposição original dos painéis (os selecionados para o verso não são colados nos da frente), sobre o patrono cujo brasão de armas aparece em um painel etc. E se a Vaidade não seria, na verdade, a Luxúria. Ao menos a atribuição a Hans Memling parece segura.
HUGO VAN DER GOES
Hugo van der Goes (c. 1440 – 1482) nasceu em Gante (ou Ghent), na atual Bélgica.
Quase nada se sabe da vida de Hugo van der Goes até 1467, ano em que se torna mestre na guilda (oficina) dos pintores de Gante. Alguns historiadores de Arte pensam que Van der Goes tenha sido treinado por Dieric Bouts. Daí em diante, a sua oficina receberia encomendas importantes, e na década de 1470 ele já era o principal artista da cidade. As encomendas, entretanto, geralmente conformadas ao estilo da época. Algumas de suas obras, entretanto, se destacam.
Sua obra “A queda do Homem”, feita por volta de 1470, é uma pintura ousada.
Adão tapa a sua genitália com a mão, mas Eva não – em cada mão tem um fruto e é coberta, “acidentalmente”, por uma flor de íris. A “serpente” é um animal híbrido, meio lagarto, meio humano.
“A queda do Homem”, em óleo sobre madeira, mede apenas 23 por 35 centímetros e é a parte esquerda de um díptico – na parte direita, intitulada “A redenção do Homem”, está representada a morte de Cristo. A pintura está em um museu de Viena (Áustria), o Kunsthistoriches.
Atentando-se aos detalhes, repare a paciência de Hugo van der Goes, como um bom pintor flamengo, de desenhar cada folha da árvore.
“Retábulo Portinari”, feito por volta de 1475, um enorme tríptico, retratando a Adoração dos Pastores, para Tommaso Portinari, representante em Bruges da poderosa família Médici, da Itália.
Realizado para a capela de sua (?) família em Florença. Portinari e sua família aparecem nos painéis laterais, como era costume da época. A importância da obra é que, levada para Florença, impressionou os artistas locais pelo uso da tinta a óleo, o que os incentivaria a tentar o mesmo. Ou seja, involuntariamente (o artista já tinha até morrido quando a obra chegou a Florença), Hugo van der Goes foi um dos responsáveis pela fusão do estilo italiano com a técnica flamenga, o que daria embalo ao Renascimento Italiano.
A obra tem espantosos 5,83 metros de largura por 3,04 metros de altura e está na Galleria degli Uffizi, em Florença (Itália).
O trabalho mais bonito de Hugo van der Goes, entretanto, talvez seja a pintura “A adoração dos Reis Magos” (também conhecida como “Retábulo de Monforte”).
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A obra mede 2,42 por 1,47 metros, foi feita em óleo sobre carvalhos e está na Gemäldegalerie, em Berlim (Alemanha).
A carreira e a vida do artista seriam muito curtas e encerradas de forma triste.
Em 1477, o artista fechou o seu ateliê e resolveu entrar para uma comunidade monástica – onde foi autorizado a continuar a pintar. E a beber vinho… aliás, até receberia a bebida como pagamento por alguns trabalhos…
Contudo, conta a história que, viajando a Colônia, em 1481, Hugo van der Goes acabou sendo detido ou internado, pois havia “enlouquecido” – talvez um quadro de depressão aguda grave, pois o pintor se declarou “condenado” e tentou suicídio. O artista morreria no ano seguinte, com pouco mais de 40 anos, sem ter recuperado a sanidade mental.
Especula-se que o que possa ter levado o pintor à loucura tenha sido sua preocupação sobre conseguir executar as obras para as quais havia sido pago – alguém havia dito a Hugo van der Goes que 10 anos não seria tempo suficiente.
Um médico da época narrou a história de um pintor que enlouqueceu na obsessão de tentar igualar o “Retábulo de Gante”, feito pelos irmãos Hubert e Jan van Eyck. É possível que o médico estivesse falando de Hugo van der Goes.
MARTIN SCHONGAUER
Martin Schongauer (c. 1450 – 1491), filho de um ourives alemão, acabou nascendo na França, para onde sua família havia se mudado há alguns anos.
Três observações sobre as informações biográficas acima. As fontes divergem muito sobre a sua data de nascimento – indo de 1435 a 1553! Também há fontes que dizem que nasceu na Alemanha. E, em vida, o artista era apelidado de Martin “Schön” (“belo”) – diz-se que não por sua beleza física, mas pela qualidade de seu trabalho.
Ou seja, os dados sobre Martin Schongauer são bem confusos. Contudo, sobre o que há certeza é que o artista foi um pioneiro na Arte da gravura – a qual, supõe-se, foi-lhe ensinada por seu pai, que também educou o artista e seus irmãos na ourivesaria.
O que também é certo é que influenciaria Albrecht Dürer, que chegou a colecionar os trabalhos de Martin Schongauer. Conta a história que Dürer viajou bastante, em 1492, procurando encontrar Schongauer – até receber a notícia de que ele havia morrido.
De maneira geral, as obras de Martin Schongauer concentravam-se em imagens da Virgem, mas ficou mais famosa a sua série “Paixão de Cristo”, com doze gravuras em cobre. Como as gravuras eram de fácil reprodução e baratas, logo o seu trabalho ficou conhecido em vasta região da Europa.
A única pintura atribuída com segurança a Martin Schongauer é a chamada “A Madona do jardim de rosas”, obra elaboradíssima feita em 1473. (Há outras obras que podem ser do artista, porém sobre elas não há tanta certeza – algumas são atribuídas a seu ateliê.)
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A pintura mede 1,15 por 2,00 metros (com a moldura) e foi feita em óleo sobre madeira. Foi feita para a Igreja de São Martinho, em Colmar (França), onde permaneceu até 1973, quando foi movida para a próxima Igreja Dominicana.
É impressionante como a Virgem de Martin Schongauer se parece com a de Robert Campin! Pela diferença de datas entre entre as obras, certamente a modelo não foi a mesma. Mas teria Schongauer usado as pinturas de Campin como modelo? Ou as mulheres da região de Flandres seriam tão parecidas?
E embora o foco deste site seja a Pintura, cabe colocarmos aqui ao menos uma das 116 gravuras conhecidas feitas por Martin Schongauer. Afinal, foi a Arte pela qual ficou realmente conhecido. Afinal, temos aqui uma página ou outra sobre desenhistas, como o próprio Dürer ou M. C. Escher. E, afinal, para refletirmos por um momento como a História, às vezes, não é justa.
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“Cristo carregando a cruz” mede 43 por 28 centímetros e é espantoso como em tão pequeno espaço Martin Schongauer conseguiu ser tão minucioso. A obra está no Museu de Arte de Cincinnati (Estados Unidos).
A injustiça histórica que ela aponta é o fato de Dürer parecer, na maioria dos livros de História da Arte, como o único grande gravurista do período – e Martin Schongauer ter praticamente desaparecido. Perde o público, ao não conhecer o trabalho deste grande mestre…
QUENTIN MATSYS
Quentin Matsys (ou Massis) (1466 – 1529), nascido em Leuven (atual Bélgica), em 1466, é considerado o “pai” da escola de Pintura de Antuérpia, que lideraria a Arte Flamenga no século 16.
Embora o artista tenha feito quadros religiosos convencionais, seriam as pinturas de costumes ou mesmo satíricas de Quentin Matsys que antecipariam as obras de artistas como Hieronymus Bosch.
“O cambista e sua esposa” é um bom exemplo da novidade temática trazida por Quentin Matsys ao universo da Pintura.
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A obra, feita em óleo sobre madeira, mede 67 x 70 centímetros e está no Louvre de Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos).
Como toda boa obra flamenga, o nível de realismo é absurdo – quase conseguimos escutar o barulho das moedas se chocando. E, como Jan van Eyck, porém menos discretamente, Quentin Matsys coloca um espelho e um autorretrato na cena.
Provavelmente a obra mais famosa de Quentin Matsys seja “Uma velha grotesca”.
A pintura, em óleo sobre madeira, feita por volta de 1513, mede 45 x 64 centímetros e está na National Gallery, em Londres (Inglaterra).
A obra também é chamada de “A duquesa feia”. Há quem acredite que a pintura represente uma pessoa anônima com a doença de Paget. Porém há quem diga que seja a duquesa Margaret de Tirol, apelidada de “Maulstach”, isto é “boca de bolsa” – ou “prostituta”, por conta de seus escândalos conjugais.
Diz a lenda que Quentin Matsys abandonou a profissão de ferreiro para se tornar artista com o intuito de cortejar sua futura esposa, que achava a segunda atividade mais romântica. A verdade, mais provavelmente, é que ele estava doente e o serviço de ferreiro era bastante pesado.
Sobre a formação artística de Quentin Matsys há apenas especulações, inclusive de que possa ter viajado à Itália ou tomado contato com obras de Leonardo da Vinci, através de reproduções. As más-línguas dizem que Matsys se inspirou nos desenhos de velhos feitos por Da Vinci. O que estas hipóteses realmente comprovam é que o contato entre a Arte Flamenga e a Italiana estava cada vez mais intenso – brotava o Renascimento, enfim.
Da vida pessoal do artista, o que espanta em Quentin Matsys é o fato de ter mantido sua devoção religiosa mesmo após perder parentes por este motivo. Afirma-se que sua irmã Catherine e o esposo foram condenados pelo crime (na época) de ler a Bíblia. Ele teria sido decapitado e ela enterrada viva na praça em frente à igreja de Leuven.
JAN MABUSE
Embora Jan Mabuse (1478 – 1532) ainda traga, em suas obras, muito da Pintura Flamenga tradicional, também aparece, em outras, com elementos exclusivamente renascentistas. Assim, Mabuse pode ser visto ou como um dos últimos representantes da “velha” Arte Flamenga ou como um dos primeiros artistas do Alto Renascimento radicados no Norte Europeu – talvez seja as duas coisas, estas classificações nunca são simples.
Batizado Jan Gossart – e em vida conhecido pela versão em alemão de seu nome, Gossaert, o apelido de “Mabuse” viria de seu local de nascimento, Maubeuge (cidadezinha no norte da França).
Em 1503, Jan Mabuse estava na Antuérpia (Flandres, atual Bélgica), matriculando-se na guilda (oficina) dos pintores. Em 1508, viajou para a Itália. Ao voltar para o norte, se tornaria um dos representantes do “Romanismo”, nome que os historiadores de Arte dariam ao estilo adotado pelos pintores nórdicos que passariam pela Itália (o nome do movimento vem de Roma, parada inevitável dos viajantes) e adotariam, em seus países-sede, as técnicas e temas vistas entre os artistas do Renascimento Italiano.
Embora hoje um pouco esquecido, em sua época Jan Mabuse foi muito reconhecido e teve vários patronos importantes.
Uma de suas ousadias foi a realização de um autorretrato em que se posta como alguém respeitável, importante – uma atitude que ainda não era muito comum entre os artistas da Idade Média. (A pintura hoje está no Currier Museum of Art, em Manchester, Estados Unidos.)
O pé no passado Jan Mabuse manteve pintando temas religiosos. O pé no Renascimento aparece quando resolve pintar nus representando cenas da Mitologia Grega. Será uma destas pinturas, “Hércules e Djanira” que mostraremos aqui.
A pintura está no Barber Institut of Fine Arts, em Birmingham (Inglaterra), foi feita em óleo sobre madeira e mede apenas 26 por 36 centímetros.
O nome de Djanira significa, em grego, “destruidora de homens”. Segundo o conto mitológico, Djanira, sem querer, acaba por matar seu esposo Hércules.
A Mitologia e a nudez andariam de mãos dadas do Renascimento em diante. Jan Mabuse antecipou a tendência e, por isto, se quisermos, já podemos considerá-lo um artista moderno.
Saiba mais:
JACQUES DARET, PETRUS CHRISTUS, STEFAN LOCHNER, DIERIC BOUTS E JEAN FOUQUET.
Outros 5 representantes pouco conhecidos da Arte Flamenga:Os pais da Pintura Flamenga: ROBERT CAMPIN e ROGIER VAN DER WEYDEN.
O maior nome do Renascimento do Norte Europeu: JAN VAN EYCK.
TUDO sobre a ARTE FLAMENGA.