Neste texto:
LOUIS WAIN E VINCENT VAN GOGH: LOUCURA E ARTE
![Louis WAIN](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/WAIN-Louis.jpg)
Louis Wain tem duas ou três coisas em comum com Vincent van Gogh: os dois eram artistas e ambos enlouqueceram. E embora possa chocar a alguns a próxima afirmação, é possível que nenhum dos dois tivesse entrado para a História da Arte se não fosse isto, se ambos não tivessem enoluquecido. A hipótese é assustadora porque Van Gogh é hoje um dos artistas mais famosos e caros do mundo. Porém a verdade é que, durante toda a sua vida, o artista vendeu apenas um quadro.
As semelhanças talvez acabem por aí. Van Gogh talvez não tenha feito sucesso enquanto vivo porque seu estilo era muito próprio, muito criativo para a época. Seu modo de pintar exigiria, posteriormente, que os críticos inventassem até um novo nome para o estilo: Expressionismo. Já Louis Wain muito provavelmente não entraria para a História da Arte porque, bem, ele era apenas um ilustrador de revistas que gostava de desenhar gatinhos… Talvez a História da Arte ainda pudesse resgatar Van Gogh, se não fosse a fama trazida pela orelha cortada e pelo suicídio, pelos méritos próprios do artista, mesmo que isto significasse menos páginas nos livros de História da Arte e uma grande desvalorização de seus quadros. Já quanto a Louis Wain, fica difícil defender que o autor de ilustrações como a seguir estaria ao menos no rodapé de algum destes livros.
![WAIN, Louis - Gatos jogando pôquer](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/WAIN-Louis-Gatos-jogando-poquer.jpg)
Contudo, Louis Wain enlouqueceria e passaria a pintar gatos cada vez mais estranhos, “elétricos”, “psicodélicos”, quase abstratos. E, infelizmente, mas é necessário admitirmos, é provavelmente por conta desta triste história que hoje conhecemos o artista – que, inclusive, recentemente teve sua vida como tema de um filme.
Por outro lado, embora possa parecer cruel dizermos isto, a obra de Louis Wain, após adoecer, tornou-se mágica, hipnótica. Se o artista teve a infelicidade de enlouquecer, nós ao menos podemos ter a oportunidade de admirar os belíssimos desenhos que ele passou a fazer.
Conheçamos, portanto, um pouco da vida e das obras de Louis Wain.
A VIDA (BIOGRAFIA) DE LOUIS WAIN
Nascido em Londres, Inglaterra, em 1860, Louis William Wain foi o primeiro filho de um comerciante de mercadorias têxteis casado com uma francesa. O casal ainda teria mais cinco filhos, todos mulheres.
Louis Wain nasceu com lábio leporino e o médico disse a seus pais que ele não deveria ser colocado na escola antes dos 10 anos. Quando enfim foi colocado, ele não se interessava muito pelas aulas, às quais faltava para permanecer perambulando por Londres. Porém desde cedo mostrou interesse ou talento artístico e foi para a Escola de Arte West London, onde chegaria a ser professor, por um curto período. Louis Wain tinha um dom e uma habilidade especial: aparentemente conseguia desenhar com as duas mãos – ao mesmo tempo!
Em 1880, entretanto, morre o pai de Louis Wain e este, com 20 anos, abandona os estudos para cuidar da mãe e das irmãs.
Louis Wain se tornou artista autônomo e, no ano seguinte, um primeiro desenho seu foi publicado em uma revista.
Dois anos depois, aos 23, ele se casa com Emily Richardson, que era governanta de suas irmãs e 10 anos mais velha do que ele – um duplo escândalo para a época.
Profissionalmente, nesta década ele serviu a revistas e jornais, pintando animais e cenas do interior do país. Ou seja, apesar da morte do pai, a vida de Louis Wain parecia estar nos trilhos.
Entretanto, logo a esposa manifestaria um câncer de mama.
Foi durante a doença de Emily, entretanto, que Louis Wain encontraria o motivo definitivo da sua Arte. Um dia o casal escutou um gato miando, na chuva, e o resgatou. Deram ao animal, listrado em preto e branco, o nome de Peter. O ilustrador começou a fazer vários desenhos do gato e Emily encorajou Louis a tentar publicá-los – o que, entretanto, demoraria a ocorrer.
Posteriormente, Louis Wain escreveria: “A Peter, devidamente, pertence a fundação da minha carreira, o desenvolvimento dos meus esforços iniciais e o estabelecimento do meu trabalho.”
![Louis Wain com gato](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/WAIN-Louis-com-gato.jpg)
Porém, a partir de certo momento, Louis Wain não desenhava mais gatos-gatos, digamos assim, e sim gatos-humanos, gatos antropomorfizados, gatos fazendo coisas de humanos.
Alguma interpretação mais leviana dirá que, após a doença de Emily, o artista, sentindo-se muito solitário, possa ter começado a projetar características humanas em Peter. Outra dirá que o gato foi tão representado por conta do bem que fez à sua esposa. Sem tanta psicanálise rasa, podemos apenas acreditar que simplesmente, em algum momento, observando Peter, Louis Wain teve uma ideia artística interessante: e se os gatos agissem como humanos?
Assim, em 1886, seu primeiro desenho de gatos antropomorfizados foi publicado. Intitulado “A festa de Natal dos gatinhos”, saiu na edição de Natal da revista Illustrated London News.
![WAIN, Louis - A festa de Natal dos gatinhos](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/WAIN-Louis-A-festa-de-Natal-dos-gatinhos-1-1024x757.jpeg)
[Clique na imagem para ampliá-la.]
A obra é composta de 11 cenas, nas quais são representados cerca de 150 gatos, nas mais diversas situações.
O trabalho parece ter agradado aos leitores da revista, porém isto não pôde ser comemorado pelo casal: poucos dias depois da publicação, no começo de janeiro de 1887, Emily faleceu.
Louis Wain parece ter entrado, então, em um estado depressivo – e desenhar gatos tornou-se uma espécie de obsessão para ele.
Os gatos tornavam-se cada vez mais humanos. Observe que em “Festa de Natal” eles ainda são, de certa forma, gastos em situações humanas. Porém progressivamente estes gatos começam a usar roupas, tocar instrumentos musicais, jogar pôquer, fumar… e também passam a adquirir uma mímica facial cada vez mais humana.
A verdade, entretanto, é que, até certo ponto, o trabalho de Louis Wain não era assim tão inovador. Outros cartunistas já representavam animais em situações humanas, tais desenhos já eram populares. Contudo, como Louis Wain desenhava sem parar, produzindo várias centenas de trabalhos no decorrer de um ano, seus gatinhos começaram a aparecer em várias publicações e o artista se tornou conhecido por eles.
Em 1898 Louis Wain chegou a ser eleito presidente do Clube Nacional dos Gatos e também fez parte de uma associação que era contra a dissecação de gatos para estudos. O ilustrador acreditava que, com seu trabalho, ajudava a acabar com o “desprezo” com que os gatos eram tratados na Inglaterra.
De 1901 a 1915 foi publicado o “Anuário Louis Wain”, com seus desenhos. O artista também ilustrou livros infantis. Seus gatos foram publicados também em cartões postais – que hoje valem um bom dinheiro. Falsificações de suas obras são comuns, atualmente (o que, no fim das contas, é um bom indicativo da popularidade de um artista).
Seu método de trabalho, contou, era simples. Louis Wain apenas ia a locais como restaurantes e desenhava o que as pessoas faziam, como reagiam, com o máximo de detalhes possível – porém, substituindo os humanos por gatos.
Entretanto, financeiramente Louis Wain nunca esteve muito bem. Isto porque nenhuma de suas irmãs jamais se casaria e ele tinha de ajudar a elas e à mãe. Além disto, o artista parecia meio ingênuo e não sabia cobrar direito por seus trabalhos, sendo assim explorado por muitos editores – que, estes sim, os mais espertos, lucraram muito imprimindo os desenhos de Louis Wain.
Em 1901, os problemas familiares se agravam. Sua irmã Marie é declarada insana e internada. Permaneceria 12 anos no asilo psiquiátrico, até morrer, em 1913 – três anos após a morte da mãe.
Em 1907 Louis Wain havia viajado para os Estados Unidos, onde as coisas também não foram bem – apesar de ter visto o seu trabalho sendo bem recebido, o artista perdeu dinheiro, pois investiu em um novo tipo de lâmpada a óleo que não vingaria.
Na década seguinte, cerâmicas com os motivos dos gatos seriam lançadas, em um estilo inovador, que alguns diriam aparentado ao Cubismo.
Em 1924, já com 64 anos, o comportamento de Louis Wain estava cada vez mais estranho, confuso, ele estava violento, e suas irmãs o levaram para um hospital psiquiátrico, onde ficou internado – na ala dos miseráveis, enquanto nas ruas o seu trabalho ainda era vendido. Um ano depois a história veio à tona, na imprensa, e artistas e até o Primeiro-Ministro atuou, conseguindo com que o artista fosse para um local melhor (ou menos pior), o infame Bethlem Royal Hospital (que já inspirou vários filmes de terror) – além de providenciar uma pensão para as irmãs do ilustrador.
Em 1930, enfim, Louis Wain foi transferido para um hospital mais agradável – onde havia uma colônia de gatos…
Nesta fase tenebrosa de sua vida, ainda assim Louis Wain continuaria a desenhar gatos, com material levado por suas irmãs – porém eram animais cada vez mais coloridos, distorcidos, alucinantes – e talvez alucinados pelo próprio artista. Gatos que, se não o salvariam da doença mental, ao menos salvariam o seu nome na História da Arte.
Louis Wain morreria em 1939, dentro do hospital psiquiátrico, pouco antes de completar 79 anos.
A DOENÇA MENTAL DE LOUIS WAIN
Desde a época em que se soube da internação de Louis Wain, psiquiatras e neurologistas debatem o seu diagnóstico. Embora, por seus sintomas, pareça ser um caso de esquizofrenia, o surgimento tardio dos sintomas mais graves pode apontar para um quadro de demência.
Também já se aventou que poderia ser um caso de toxoplasmose, doença causada pelo parasita Toxoplasma gondii e transmitida por fezes de… claro, gatos! Embora este diagnóstico parecesse fechar com “perfeição” (mórbida) a história de Louis Wain, a verdade, entretanto, é de que não há evidências sólidas de que a toxoplasmose possa causar sintomas psiquiátricos.
![Louis Wain com gato [2]](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/WAIN-Louis-com-gato-2.png)
Um psiquiatra disse que os problemas mentais de Louis Wain podem ser rastreados já naqueles livros que o artista publicou até 1915 – alguns desenhos continham poemas e os escritos do artista (segundo tal psiquiatra) já eram um sintoma de estado mental confuso.
Outro médico defendeu que Louis Wain tinha não esquizofrenia, mas Síndrome de Asperger (uma espécie de autismo), já que sua habilidade de desenhar não diminuiu com o tempo, o que seria esperado com a esquizofrenia.
Explicações psicológicas que remontam à infância do artista também não faltam. A influência para os novos desenhos teria vindo das tapeçarias que viu na infância e adolescência, já que seu pai era do ramo e uma avó era tapeceira, e de visões que ele teve brincando com um caleidoscópio, brinquedo popular quando Louis Wain era criança.
No fim das contas, este debate todo pode ser mais um conflito de egos de psiquiatras e neurologistas, psicólogos e psicanalistas, muitos em busca de autopromoção, do que algo que realmente importe agora.
Entretanto, algo que importa, para a análise da vida e da obra de Louis Wain é o seguinte. Rodeny Dale, autor de “Louis Wain: The Man Who Drew Cats“, aponta que em livros de Psiquiatria e Psicologia, assim como em artigos de revista ou jornais, o trabalho do artista é demonstrado como se partindo de uma representação normal dos gatos até finalizar em algumas fractais, praticamente abstratas.
[Clique para ampliar.]
Esta suposta progressão, segundo o autor, é utilizada para se demonstrar uma suposta deterioração progressiva do seu estado mental. Entretanto, aponta Ronely, no final de sua vida Louis Wain ainda desenhava, esporadicamente que seja, gatos normais – assim como alguns dos desenhos que supostamente pensa-se tenham sido feitos no final de sua vida foram feitos bem antes.
Assim, se a distorção dos gatos for ser considerada um parâmetro confiável do seu estado mental, precisamos admitir que, no mínimo, este oscilava entre fases alucinatórias e fases sadias.
A “culpa” desta nossa visão distorcida da doença de Louis Wain (que grande ironia…) pode ter sido culpa de um psiquiatra que, há várias décadas, “organizou” os desenhos do artista como se fossem uma série progressiva. O médico, Walter Marclay, talvez não tenha feito isto inocentemente, mas para provar sua hipótese de que a habilidade de pessoas com esquizofrenia deteriorava-se com o passar do tempo.
Foi o psiquiatra David O’Flynn que, há poucos anos, apontou a suposta farsa e disse que a evolução proposta por Walter Clay havia se tornado “a Mona Lisa da Arte de Hospícios”.
Entrando no debate, foi uma jornalista, Lisa Hix, e não um psiquiatra, que sugeriu uma explicação que, se não for verdadeira, ao menos é a que enxerga Louis Wan com mais compaixão. Ela propõe que o trabalho do artista ficou tão mais provocante após a sua internação não porque ele estava mais louco, mas porque ele estava mais… livre! Livre das obrigações comerciais, livre de ter de vender seus desenhos, ele pôde simplesmente experimentar… [artigo original, em inglês]
DESENHOS (OBRAS) DE LOUIS WAIN
Se hoje são os gatos caleidoscópicos que mantém a fama de Louis Wain, não foram eles, mas sim os alegres gatos “normais” que lhe trouxeram, enquanto vivo, não apenas reconhecimento, mas sustento para sua família e até, quem sabe, alguma tranquilidade, enquanto o mundo desmoronava à sua volta. (Embora não seja tão normal um gato jogar pôquer ou fumar, mas o leitor deve ter entendido o que quisemos dizer…)
Portanto, talvez seja justo encerrarmos a exposição das obras de Louis Wain com seus trabalhos mais antigos.
![](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/WAIN-Louis-Caes-1024x636.jpg)
Antes de se especializar em gatos, Louis Wain desenhou outros animais em situações humanas, como acima, em que cães estão envolvidos em uma briga.
Corujas acompanham um poema, abaixo.
![WAIN, Louis - Corujas](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/WAIN-Louis-Corujas-655x1024.jpg)
Como bons ingleses, os felizes gatos abaixo tomam o chá da tarde.
![WAIN, Louis - Gatos no chá da tarde](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/WAIN-Louis-Gatos-no-cha-da-tarde.jpg)
Por fim, abaixo, um gatinho nada humano, apenas belo e curioso, como todo gato.
![WAIN, Louis - Gato](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/WAIN-Louis-Gato-01.jpg)
É necessário admitirmos que Louis Wain, talvez como nenhum artista, soube captar a “alma” destes animais.
O Victoria and Albert Museum, em Londres, museu mais dedicado ao design, possui algumas dezenas de desenhos de Louis Wain. Veja aqui.
O LEGADO DE LOUIS WAIN
Um dos que lutaram por Louis Wain quando ele foi descoberto internado foi o famoso escritor H. G. Wells, “o pai da ficção-científica”, que comentaria sobre a obra do ilustrador:
“Louis Wain inventou um estilo-gato, uma sociedade de gatos, um mundo inteiro de gatos. Os gatos da Inglaterra que não se parecem ou vivem como os gatos de Louis Wain sentem vergonha de si mesmos.”
A turma que no final da década de 1960, na onda do “paz e amor” se envolveu com experimentos com alucinógenos e a produção de “arte psicodélica” imediatamente adotou Louis Wain quando descobriu seu trabalho. Eles ficaram maravilhados como ele conseguiu fazer aqueles desenhos sem ter usado nada!
FILME “A ELETRIZANTE VIDA DE LOUIS WAIN”
Um filme sobre o pintor, com o infame título de “A eletrizante vida de Louis Wain”, foi lançado em 2021, com Benedict Cumberbatch no papel do artista.
Filme disponível na Prime Vídeo. Trailer abaixo.
Ficha técnica do filme aqui: A VIDA ELETRIZANTE DE LOUIS WAIN.
Aproveitando o lançamento do filme, o Museu da Mente, ligado ao hospital psiquiátrico Bethlem, que possui 55 trabalhos do artista, lançou a exposição: “Terapia Animal: Os gatos de Louis Wain”, mostra que pode ser conferida virtualmente aqui.
CONFIRA TAMBÉM:
Outros artistas com transtorno mental: OS 10 ARTISTAS MAIS LOUCOS DA HISTÓRIA.
Um ensaio sobre o assunto: ARTE E LOUCURA.