“Fra Angelico pintava como um ato de devoção.”
[No livro “501 grandes artistas”.]
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Conhecido em vida como Fra Giovanni da Fiesole, seu nome de batismo era Guido di Pietro. A tradução do seu novo nome significa “Frade [ou Irmão] João” – e Fiesole era o local do mosteiro onde ele inicialmente vivia. Era costume mudar de nome ao se entrar para algumas ordens, como a Ordem Dominicana na qual ele ingressou.
O influente livro de Giorgio Vasari, “Vidas dos artistas”, de 1550, é que popularizaria o codinome Fra Angelico, o “Frade Angelical”.
VIDA (BIOGRAFIA) DE FRA ANGELICO
Nascido por volta de 1387, na República de Florença, do início da sua vida pouco se sabe. Quando adolescente, Guido foi educado como ilustrador de livros e no início da vida adulta já era reconhecido por seu talento artístico.
Por volta de 1420, então, Guido e um irmão seu, Benedetto, também ilustrador, entram para o mosteiro dominicano e lá ele se torna Fra Giovanni.
Fra Angelico equilibrava-se entre o amor pela Arte e a devoção religiosa. Ou melhor, as duas faces de sua vida se misturavam em uma só. A Fra Angelico é atribuída a frase: “Para pintar as coisas de Cristo, é preciso viver em Cristo.”
Fra Angelico seguia a determinação de São Domingos: que cada um transmitisse a mensagem de Cristo com o talento que tivesse. E que talento tinha Fra Angelico para a Pintura! Ainda em vida a sua reputação foi enorme. Serviu, assim, tanto à rica família Médici, que “mandava” em Florença, quanto ao Papa, que mandava “no mundo inteiro”.
Fra Angelico pintava com enorme intensidade. Afirma-se que o artista nunca pegou em um pincel sem antes rezar fervorosamente. Às vezes ajoelhava-se, enquanto pintava. Conta-se que chorou ao pintar a crucificação de Cristo. Não retocava as pinturas porque, acreditava, eram feitas por inspiração divina – e, portanto, eram perfeitas como fossem.
OBRAS DE FRA ANGELICO: “A ANUNCIAÇÃO”
Fra Angelico pintou várias versões de “A Anunciação” e é difícil escolhermos a mais bonita. Vejamos algumas delas.
![FRA ANGELICO - "A Anunciação"](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/FRA-ANGELICO-A-Anunciacao-1-1024x1005.jpg)
A versão acima, feita em têmpera sobre madeira, medindo 1,91 por 1,62 metros, encontra-se no Museu do Prado, em Madri (Espanha).
![FRA ANGELICO - "A Anunciação"](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/FRA-ANGELICO-A-Anunciacao-2.jpg)
A versão acima faz parte de um grupo de 50 afrescos pintados entre 1440 e 1443 por Fra Angelico e um grupo de assistentes, no convento dominicano de San Marco, em Florença, onde o artista passou a viver. A reconstrução do convento foi totalmente paga pela rica e poderosa família Médici.
Os frades dominicanos fazem parte de uma ordem fundada por São Domingos de Gusmão em 1216. Também chamada de Ordem dos Pregadores, ela faz parte das ordens mendicantes, isto é, que fazem voto de pobreza e sobrevivem à custa de doações.
Maria é a protetora dos frades dominicanos e esta é uma das razões de Fra Angelico ter se dedicado a fazer tantas versões da Anunciação. Esta é uma das mais admiradas – as asas coloridas do anjo Gabriel não cansam de encantar o observador.
![FRA ANGELICO - "A Anunciação"](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/FRA-ANGELICO-A-Anunciacao-5-1024x867.jpg)
“A Anunciação” acima foi feita para a igreja de Cortona, hoje está no museu da cidade italiana. O que Maria diz ao anjo: “Eis aqui a serva do Senhor, cumpra-se em mim segundo a sua palavra” (como em Lucas 1:38). As palavras estão pintadas de cabeça para baixo, como se Maria não falasse para nós ou para o anjo, mas para o Senhor.
![FRA ANGELICO - "A Anunciação"](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/FRA-ANGELICO-A-Anunciacao-4-873x1024.jpg)
Observe que nesta e em outras versões de “A Anunciação” de Fra Angelico é possível vermos, ao fundo, um casal andando, cabisbaixo. São Adão e Eva expulsos do Paraíso. As pinturas, então, contam uma história de queda e de redenção. O primeiro casal da História colocou a humanidade em desgraça, mas a vinda de Cristo perdoaria os nossos pecados.
![FRA ANGELICO - "A Anunciação"](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/FRA-ANGELICO-A-Anunciacao-3-859x1024.jpg)
A “Anunciação” acima também está no mosteiro de San Marco – que agora é um museu estatal. Era muito comum que pinturas patrocinadas por ricos ou poderosos abusassem das folhas de ouro e do pigmento lápis-lazúli, muito caro, vindo de uma pedra semi-preciosa. Porém Fra Angelico, aparentemente, não queria que suas pinturas fossem uma demonstração de ostentação de seus patronos, mas que demonstrassem a pureza das cenas em si.
Porém, igual ou maior do que a aparente fixação do pintor com o tema da Anunciação estava a obsessão de Fra Angelico com a técnica. O artista, embora passasse boa parte do tempo enclausurado no mosteiro, foi um óbvio observador atento dos desenvolvimentos artísticos produzidos pelos pintores que não viviam presos entre muros – especialmente após ter se mudado, junto com outros frades, de Fiesole para Florença. (Posteriormente, Fra Angelico retornaria para Fiesole, onde seria transformado em prior [líder religioso]).
É nítida a fascinação que a perspectiva, na Pintura, exerceu em Fra Angelico. Não há necessidade alguma da Anunciação ocorrer sob o teto de um edifício moderno! Mas o cenário era uma oportunidade de Fra Angelico demonstrar, com muita maestria, como ele dominou o entendimento do ponto de fuga, da tridimensionalidade. A influência de Masaccio, neste aspecto, é evidente. Tommaso Masaccio era contemporâneo de Fra Angelico e atuava em Florença, e é reconhecido pelo uso de cenários arquitetônicos em suas obras, o que demandava um aprofundado estudo de perspectiva.
Nesta última pintura em específico, entretanto, a arquitetura reproduz a da sala onde foi pintada. Ou seja, é como se a Anunciação tivesse ocorrido bem onde o observador da pintura se encontrava!
Que não se fique com a impressão de que Fra Angelico pintou apenas “A Anunciação”, entretanto. As duas pinturas a seguir encontram-se na Cappella Niccolina, no Vaticano, são mais dois ótimos exemplos do poder do artista Fra Angelico.
Observemos, primeiramente, “São Lourenço distribuindo esmolas”.
[Clique na imagem para ampliá-la.]
Sim, as crianças de Fra Angelico parecem-se adultos em miniatura. Porém observe o homem de vermelho, à esquerda. O naturalismo de seu rosto – ou da veia na perna levantada – prenunciam a capacidade de “fotografar” a realidade que os mestres da Pintura Flamenga mostrariam logo em seguida, em Flandres – e, um pouco depois, no próprio Renascimento italiano. Porém os pintores flamengos, usando tinta a óleo, podiam trabalhar com calma, podiam fazer suas pinturas camada por camada, podiam retocá-las. Já Fra Angelico, em um afresco, que secava rapidamente, não podia errar.
(Sim, os dedos do pé deste homem também são desproporcionais.)
A segunda pintura é “São Pedro consagra São Lourenço como diácono” [auxiliar do sacerdote].
![FRA ANGELICO - São Pedro consagra São Lourenço como diácono](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/FRA-ANGELICO-Sao-Pedro-consagra-Sao-Lourenco-como-diacono-765x1024.jpg)
Embora aqui o azul apareça intensamente (às vezes era preciso agradar um pouco aos patronos) e a obsessão com a Arquitetura e a perspectiva nunca desapareçam na obra de Fra Angelico, é notável, paradoxalmente, como os personagens são leves, etéreos, transmitindo, sem dúvida alguma, beatitude e paz.
Fra Angelico morreu em 1455, justamente quando pintava uma capela particular no Vaticano. Afirma-se – e a história parece ser verídica – que o papa havia oferecido a Fra Angelico o arcebispado de Florença, mas este recusou, indicando outro frade para o cargo.
Sobre o artista, escreveu Giorgio Vasari: “É impossível elogiar demais este santo padre, que era tão humilde e modesto em tudo o que dizia e fazia e cujas pinturas eram feitas com tanta facilidade e piedade.” De fato, a fama não corrompeu Fra Angelico – afirma-se que também exerceu com dedicação suas funções como frade, servindo aos pobres, sempre de bom humor.
De sua morte em diante ele seria conhecido também como “O Beato Angélico”. John Ruskin, antigo crítico de Arte, afirmaria, sobre Fra Angelico: “Ele não foi exatamente um artista, mas um santo inspirado.”
De fato, em 1982 Fra Angelico foi beatificado pelo Vaticano, pelo papa João Paulo II, e foi oficialmente nomeado Beato Fra Angelico Giovanni da Fiesole.
E em 2007 alguém que não fez voto de pobreza se deu muito bem com Fra Angelico. Na década de 1960 um homem comprou duas pinturas por 100 libras cada, na Inglaterra, após ver que eram obras medievais de alta qualidade. Porém não desconfiava da autoria delas. Quem descobriria a autoria seria o sobrinho da recém-falecida herdeira daquele comprador.
Fra Angelico havia pintado, em 1439, para o mosteiro de San Marco, um grande retábulo, que continha oito painéis laterais. Os painéis foram divididos pelo exército de Napoleão Bonaparte, quando esteve ocupou a Itália. O painel central permanecia em Florença. Contudo, seis dos painéis laterais estavam, agora, espalhados em museus da Alemanha e dos Estados Unidos. E dois deles estavam perdidos. Estavam. Um especialista identificou aquelas duas obras compradas há algumas décadas – que agora tinha até buracos de caruncho – como sendo os painéis perdidos de Fra Angelico.
A dona dos painéis, que levava uma vida simples, havia morrido há pouco e seu sobrinho foi que resolveu pesquisar o que valiam… Ao saber o que eram, revolveu vendê-los. O governo italiano entrou na disputa, porém perdeu para um colecionador particular, que pagou 1,7 milhões de libras por ambos (quase 10 milhões de reais, em valores atuais)! O sobrinho disse, após o leilão, que o dinheiro seria distribuído entre a família e que ele comemoraria a venda tomando uma cerveja em um pub…
Entretanto, os painéis foram restaurados e agora se encontram em exposição no Museu San Marco, em Florença.
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