A DESCOBERTA DA PERSPECTIVA LINEAR
Paolo Uccello é um artista que, na avaliação dos críticos de Arte, já passou por altos e baixos. Hoje a maioria considera a sua obra de alta qualidade, porém em determinadas épocas Uccello foi ridicularizado, por querer demonstrar a qualquer custo, em suas obras, que havia dominado a perspectiva linear. Diz-se que o artista ficou tão obcecado com a perspectiva que praticamente enlouqueceu por conta disto.
![UCCELLO, Paolo - Retrato](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/UCCELLO-Paolo-Retrato-e1664424994646.jpg)
[Retrato de autoria desconhecida; detalhe de pintura intitulada “Cinco mestres do Renascimento Florentino; 65 x 21 cm (total); têmpera sobre madeira; Museu do Louvre, Paris (França)]
De fato, Paolo Uccello é a perfeita representação do drama artístico do período. O desenvolvimento do estudo da perspectiva, feito por arquitetos como Filippo Brunelleschi e por pintores como Piero della Francesca, permitiu aos artistas, dar volume e tridimensionalidade às suas obras. O estilo artístico anterior, chamado de Gótico Internacional, já vinha tentando isto, sem tanto sucesso. Contudo, alguns artistas, com o dom da matemática, enfim conseguiram desvendar os segredos da perspectiva. Agora, então, todo pintor queria mostrar que havia aprendido, que dominava a habilidade.
O próprio Piero della Francesca talvez tenha se encantado demais com a perspectiva. A sua obra “Flagelação de Cristo” até hoje confunde o observador. Três homens discutem algo, no primeiro plano – Jesus é flagelado no fundo da cena. O artista parecia não estar muito preocupado com a dor de Jesus, mas em demonstrar a sua habilidade de desenhar volumes, em representar detalhes arquitetônicos etc.
O desafio artístico, portanto, na época, era conseguir equilibrar a habilidade técnica com a sensibilidade temática. Paolo Uccello, entretanto, escorregou demais para o lado da perspectiva e, por isto, foi por muito tempo motivo de chacota e zombaria, pois – verdade seja dita – as suas obras tornaram-se bastante artificiais, parecendo apenas um exercício geométrico. Segundo os críticos, Uccello sacrificou a Arte apenas para demonstrar as teorias da perspectiva.
VIDA (BIOGRAFIA) DE PAOLO UCCELLO
Paolo Uccello, cujo nome de batismo era Paolo di Dono, nasceu por volta de 1397, em Florença (Itália) ou arredores. O apelido “Uccello” (“pássaro”, em italiano) veio do seu gosto pelas aves. Conta-se que o artista colecionava desenhos de animais, especialmente de aves, daí ser chamado de “Paulo dos Pássaros”…
Embora hoje Paolo Uccello seja lembrado apenas por suas pinturas, o artista também trabalhou com mosaicos e vitrais.
Filho de um barbeiro-cirurgião, diz-se que desde a infância Paolo Uccello apresentou dons artísticos. Seu treinamento iniciou-se no ateliê do escultor Lorenzo Ghiberti.
Em 1415, Paolo Uccello entrou para a guilda (corporação) dos pintores oficial de Florença. Por volta desta época também iniciou uma amizade com Donatello, que era 10 anos mais velho, que duraria até a morte deste. Inclusive, ao ter um filho, em 1453, este foi chamado de Donato, em homenagem ao amigo, com quem também viajou, em missões artísticas.
Paolo Uccello teve também uma filha, Antonia Uccello, que se tornou freira e pintora. É uma pena que nenhuma de suas obras tenha sobrevivido, pois seria reconhecida como uma das primeiras mulheres na História da Arte… Já Donato o auxiliaria na execução de algumas obras.
A partir de 1425, Paolo Uccello passou alguns anos em Veneza, trabalhando na execução de mosaicos.
Na década de 1430, Paolo Uccello retornou para Florença, onde realizou afrescos da “Criação” para a igreja de Santa Maria Novella.
Foi então que começou a se interessar cada vez mais pela perspectiva, influenciado pelas ideias de Filippo Brunelleschi e Leon Battista Alberti.
Há uma história engraçada na vida Paolo Uccello. Diz-se que, certa vez, pintava em uma igreja que ficava em uma colina, porém, insatisfeito com a refeição monótona servidas no local – apenas torta de queijo e sopa de queijo – e fugiu, deixando o trabalho inacabado. Só voltou quando o abade lhe prometeu refeições mais variadas. A historieta, como quase todas as “fofocas” sobre os pintores daquela época, foi contada por Giorgio Vasari em “Vidas dos artistas”.
Paollo Uccello morreu em 1474, na mesma Florença onde passou a maior parte de sua vida.
Conta-se que o artista passou os últimos anos na miséria, sem conseguir dormir, obcecado com a perspectiva…
De fato, na declaração de impostos de 1469, Paolo Uccello escreveu: “Estou velho e doente, minha esposa está doente e já não posso mais trabalhar.”
OBRAS DE PAOLO UCCELLO
A obra mais discutida, mais polêmica, de Paolo Uccello são as três pinturas de “A Batalha de São Romano”, realizadas entre 1430 e 1450, em têmpera sobre madeira, que cobriam toda uma parede do palácio da poderosa família Médici, em Florença.
![UCCELLO, Paolo - A batalha de São Romano](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/UCCELLO-Paolo-A-batalha-de-Sao-Romano-1024x579.jpg)
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Hoje cada um dos três painéis originais se encontra em um museu diferente. O mostrado acima é o reproduzido e debatido. Foi finalizado por volta de 1440, encontra-se na National Gallery, em Londres (Inglaterra) e mede assustadores 3,20 por 1,82 metros.
O mais “ridículo” nesta pintura, para os que detestaram ou ainda odeiam a obra de Paolo Uccello, são as lanças cuidadosamente dispostas no chão, todas apontando para o mesmo ponto de fuga. De fato, tais lanças são bem anti-naturais.
Além disto, há aquele corpo disposto no chão, atrás do cavalo branco. Por “coincidência”, o corpo caído também aponta para o mesmo ponto de fuga das lanças. E é proporcionalmente muito pequeno, em relação aos outros elementos da cena.
Paolo Uccello, pelo visto, achava que estava fazendo um trabalho maravilhoso, já que entregou a obra assim… Contudo, o que nem todos sabem, é que a pintura tinha outro objetivo por trás, além da pretensiosa exibição técnica do artista. Em 1432, houve um conflito entre Florença e Siena – duas cidades próximas e que rivalizavam não apenas artisticamente.
A pintura representa, sobre o cavalo branco, o líder dos florentinos na batalha, Nicollò da Tolentino, um mercenário que, na pintura, aparece como um herói de um romance de cavalaria, um tema que na época era muito popular. Ou seja, “A Batalha de São Romano” era, independentemente das virtudes artísticas (ou da falta delas) de Paolo Uccello, uma peça de propaganda a favor de Florença. (A verdade, entretanto, segundo pesquisas históricas mais recentes, é que provavelmente o tal líder tenha sido capturado pelos inimigos, tendo de ser resgatado por seus companheiros.)
A obra, enfim, mostra as razões de Paolo Uccello já poder ser considerado, para muitos historiadores, um artista renascentista, como a escolha de um tema não cristão. Posteriormente Uccello adotaria outra característica da Pintura do Renascimento, o óleo sobre tela. Por outro lado, ainda se verá muito do estilo Gótico Internacional em algumas de suas obras, como uma ênfase em um desenho esquemático dos personagens, mais do que uma preocupação naturalista ou realista que seria vista no Renascimento Italiano e, antes, na Arte Flamenga.
“Caçada na floresta” é outra obra de Paolo Uccello que fez (e ainda faz) certos críticos tentarem colocar o artista como um erro da História da Arte.
[Clique para ampliar.]
A obra foi feita com têmpera e óleo (e ouro) sobre madeira. Mede 1,77 metros de largura por 73 centímetros e está no Ashmolean Museum, em Oxford (Inglaterra).
Desta vez o problema não são lanças no chão apontando indiscretamente para o ponto de fuga… Um dos princípios da perspectiva linear é que os objetos, quanto mais distante estão, menor parecem ser. Paolo Uccello, aqui, leva a ideia ao pé da letra, construindo planos cada onde as figuras estão, de fato, cada vez menores, porém de uma forma muito esquemática.
Os críticos de Arte que tentam resgatar Paolo Uccello apontam que, apesar de seus eventuais exageros na demonstração da perspectiva, o artista conseguiu, em algumas obras, feitos que não haviam sido nunca atingidos por nenhum artista antes dele.
O melhor exemplo seria o seu afresco que mostra o dilúvio bíblico. Na mesma cena, Paolo Uccello conseguiu mostrar, simultaneamente, o recuo das águas.
![UCCELLO, Paolo - "Dilúvio e o recuo das águas"](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/UCCELLO-Paolo-Diluvio-e1664476679414-1024x466.jpg)
[Clique na imagem para ver os detalhes da pintura.]
O afresco mede 5,10 metros de largura por 2,15 de altura! Está na Basílica de Santa Maria Novella e foi concluído por volta de 1448.
É necessário admitirmos, entretanto, que é uma obra de difícil entendimento, aparentemente confusa. E, caso se observe bem, no lado direito da base da pintura, lá estará aquele mesmo “homenzinho” morto apontando para o ponto de fuga, como em “A Batalha de São Romano”…
Outra obra notável de Paollo Uccello – que pode até não ser a mais bonita ou bem feita do mundo, mas que ao menos ajuda a apagar alguma má-impressão que o artista possa ter deixado com “A Batalha de São Romano” – é “Monumento equestre de Sir John Hawkwood”.
![UCCELLO, Paolo - Monumento equestre de Sir John Hawkwood](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/UCCELLO-Paolo-Monumento-equestre-de-Sir-John-Hawkwood-665x1024.jpg)
O afresco, pintado em 1436 e que está na Catedral de Florença, é impressionante em sua monumentalidade: mede nada menos do que 5,15 metros de largura por 8,20 de altura!
A pintura de uma estátua (!) representa um general inglês que lutou por Florença.
Por fim, há quem diga, ainda defendendo Paolo Uccello, que, mesmo que o artista tenha exagerado em alguns momentos, na busca pela composição perfeita da perspectiva, ele foi um pioneiro na técnica, um dos primeiros a, sem pudores, experimentar. Suas descobertas, mesmo que tendo de ser corrigidas depois, facilitaram a vida dos artistas que vieram depois dele.
E as críticas que sofreu, a maior parte delas foi muito tempo depois da execução de suas obras, quando outros pintores o superaram. Em sua época, Paolo Uccello não foi apenas respeitado, como admirado por muitos, e a prova disto seria a série de encomendas que receberia.
O influente crítico Giulio Carlo Argan (1909 – 1992) assim defendeu o artista: “Uccello constrói o espaço pela perspectiva e o evento histórico pela estrutura do espaço; se a imagem resultante for antinatural e irreal, tanto pior para a natureza e a história.”
Por este ponto de vista, Paolo Uccello tem seu papel, sim, e merece ser preservado na História da Arte…
Saiba mais:
O pintor que, para muitos, foi o primeiro a dominar a perspectiva: PIERO DELLA FRANCESCA.
O livro que conta todas as “fofocas” de pintores do Renascimento: “VIDAS DOS ARTISTAS”, DE GIORGIO VASARI.