A pintora Tarsila do Amaral é a autora de “O Abaporu”, uma das pinturas brasileiras mais famosas e caras de todos os tempos.
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Nascida em Capivari, uma pequena cidade do interior do estado de São Paulo, Tarsila Aguiar do Amaral (1886 – 1973) é uma das mais importantes artistas brasileiras, sendo um dos grandes nomes do Modernismo nacional, ao lado de artistas como Anita Malfatti, Menotti del Picchia e os irmãos Mário e Oswald de Andrade – uma união de amigos com ideias artísticas em comum que se auto-intitularia (sem muita criatividade, é verdade) de o “Grupo dos Cinco”. Tarsila definiria assim o grupo: “Um bando de doidos em disparada por toda parte no Cadillac verde de Oswald.”
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Vinda de uma rica família de fazendeiros produtores de café, a criança Tarsila foi criada em um ambiente culturalmente rico: sua mãe tocava piano, seu pai declamava poemas em francês. Sua educação, em um colégio de freiras, foi boa e, para a época, elevada. Quando a grande maioria da população, menos ainda as mulheres, sabia ler ou escrever, Tarsila fez parte de uma minúscula elite que aprendeu até francês.
Quando adolescente, Tarsila do Amaral foi enviada para estudar em Barcelona (Espanha) – onde chamou a atenção pela sua habilidade no desenho, ao copiar obras de Arte famosas.
Tarsila do Amaral se casou com um médico, porém o casal teria muitos conflitos. Ele era conservador e queria que a esposa ficasse em casa, cuidando do lar.
Após o nascimento de sua filha Dulce, Tarsila se separa do marido.
Já de volta ao Brasil, por volta dos 30 anos, em 1916, Tarsila do Amaral começou a estudar pintura, porém com professores conservadores, alheios aos movimentos modernistas que revolucionavam a Arte na Europa.
Em 1922, alguns artistas organizam a Semana de Arte Moderna, que ocorreria entre os dias 11 a 18 de fevereiro – o evento completou, portanto, 100 anos recentemente, sendo objeto de várias celebrações. Tarsila do Amaral estava em Paris (França) durante a Semana, mas aquele ano mesmo voltaria ao Brasil e se uniria ao grupo.
Em suas viagens para a Europa – nas quais sempre levava cachaça e enganava os fiscais da alfândega dizendo ser apenas “álcool para passar na pele” – Tarsila do Amaral tomaria contato com movimentos artísticos nascentes como o Expressionismo, o Cubismo e o Futurismo e com os artistas líderes destes movimentos, como Pablo Picasso e Fernand Léger. Tarsila incorporaria várias ideias deles a seu trabalho. Ao mesmo tempo, perceberia nos artistas europeus um interesse por culturas ditas “primitivas”, como a africana, e concluiria que tinha em casa, o periférico Brasil, o tema adequado para trabalhar, mesmo que adotando técnicas “roubadas” dos europeus.
A ideia do nascente Movimento Antropofágico (ou seja, “canibal”), aliás, seria justamente esta: absorver as influências externas e digeri-las, contudo aplicando-as sobre temas nacionais.
Em 1923, por exemplo, já mergulhada neste caminho, Tarsila do Amaral pinta o polêmico “A negra”, que tocava em questões raciais.
![Tarsila do Amaral - A negra](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/Tarsila-do-Amaral-A-negra.jpg)
Neste ano, Tarsila escreve, da Europa, em uma carta à sua família: “Me sinto cada vez mais brasileira. Quero ser a pintora do meu país. (…) O que eles querem aqui é que cada um traga a contribuição do seu próprio país. (…) Paris estava farta da arte parisiense.
Oswald de Andrade (1890 – 1954), que era poeta, acompanhava Tarsila do Amaral pela Europa. Ao retornarem, viajam pelo Brasil buscando conhecer melhor a cultura “profunda” do país. Oswald lança o “Manifesto Pau-Brasil”, convidando os artistas nacionais a produzirem obras genuinamente nacionais – porém globalizadas, dignas de “exportação”, como foi a madeira desde os tempos de Pedro Álvares Cabral.
Em 1924, após mais viagens, Tarsila do Amaral pinta “Estrada de Ferro Central do Brasil”, obra que, com clara influência do Futurismo, mistura o passado rural e o presente industrial brasileiro.
Em 1926, Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade se casam e continuam a viajar pelo Brasil, Europa e até pelo Oriente Médio.
Neste ano, em Paris, Tarsila tem sua primeira exposição individual. As obras foram recebidas com um misto de sentimentos. Foram chamadas desde “originais” e “cerebrais” a “exóticas” e “ingênuas”.
Influenciada agora pelo Surrealismo, Tarsila do Amaral começa a se afastar ainda mais de uma representação atrelada à realidade.
Em 1928, Tarsila do Amaral pinta “O Abaporu”, que deu a Oswald, de presente de aniversário – porém a obra não tinha um título. Oswald de Andrade escolheu o nome da obra, que vem do tupi-guarani e significa “o homem come”. Neste ano é que Oswald lançará o “Manifesto Antropofágico” – e colocará “O Abaporu” em sua capa.
Na época, Tarsila e Oswald podem ter achado a pintura muito interessante e simbólica, mas certamente não imaginariam que “O Abaporu” se tornaria provavelmente a mais famosa obra de Arte brasileira – e a mais cara: seu valor atual é estimado em mais de 200 milhões de reais! Entretanto, o quadro pertence a um museu argentino, o MALBA.
!['O Abaporu', de Tarsila do Amaral](https://ahistoriadaarte.com.br/wp-content/uploads/2022/08/Abaporu-1928-858x1024.jpg)
O curioso sobre “O Abaporu” e sobre Tarsila do Amaral é que, embora tanto a artista quanto a obra sejam grandes exemplos do Modernismo brasileiro, a pintora nem estava no Brasil quando houve a Semana de Arte Moderna e o quadro mais famoso da época foi feito apenas seis anos depois da Semana!
Tarsila do Amaral pintaria a obra “Antropofagia” no ano seguinte, em 1929. Neste ano, a artista realizaria suas primeiras exposições individuais no Brasil, nas cidades de São Paulo e no Rio de Janeiro. No ano seguinte, seria destaque em exposições em Nova York (Estados Unidos) e Paris.
Neste ano, entretanto, o casamento de Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade acaba. Supostamente porque Oswald apaixona-se e resolve ficar com a jovem “Pagu”, Patrícia Rehder Galvão, que se tornaria uma escritora importante na época. Um enorme escândalo, para a época.
Quando Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade se separam, ela fica com o quadro. Por sinal, a pintora guardaria, no decorrer da vida, uma bela coleção, com obras de Picasso, Léger e outros modernistas importantes, como Robert Delaunay, Amedeo Modigliani e outros.
Em 1929, a quebra da Bolsa de Valores de Nova York provoca uma grande crise econômica mundial e a ruína financeira da família da artista. No ano seguinte à separação, 1931, Tarsila do Amaral vende então alguns de seus quadros e viaja para a União Soviética, onde expõe em Moscou. A pobreza dos trabalhadores russos chamaria a sua atenção e influenciaria o restante de sua obra, que então tomaria um rumo mais social, como no quadro “Operários”, de 1933.
Tarsila do Amaral se casaria novamente, com um psiquiatra, Osório César, que a influenciou rumo a novas visões políticas e sociais.
Em 1932, Tarsila do Amaral chegou a ser presa, no Brasil, por um mês, por seu envolvimento na Revolta Constitucionalista, movimento contra a ditadura de Getúlio Vargas. Sua viagem anterior à União Soviética levantava suspeitas de que ela fosse adepta do comunismo.
Por esta época, em uma viagem a Paris, Tarsila do Amaral precisa trabalhar como pintora – de paredes – para juntar dinheiro e conseguir voltar ao Brasil.
Tarsila do Amaral continuaria a pintar – e a escrever uma coluna cultural em um jornal paulista – por vários anos.
“Invento tudo na minha pintura. E o que eu vi ou senti, estilizo.”
(Tarsila do Amaral)
Embora hoje seja uma das artistas brasileiras mais celebradas e embora em suas últimas décadas de vida fosse respeitada e sua importância reconhecida, a verdade é que o final da vida de Tarsila do Amaral não foi tão glorioso quanto a fama atual faz pressupor. O casamento acaba, a filha morre e Tarsila vive sozinha. Um problema de coluna a leva a uma cirurgia, a qual não é bem-sucedida e a deixará em cadeira de rodas nos últimos anos de vida. É diagnosticada com depressão.
Tarsila do Amaral torna-se adepta do Espiritismo, aproxima-se de Chico Xavier. Passa a doar para a caridade o dinheiro que recebe com a venda de seus quadros.
Ao morrer, em 1973, Tarsila do Amaral deixaria mais de 200 pinturas – além de centenas de desenhos.
Uma cratera em Mercúrio seria chamada, pela União Astronômica Internacional, de “Amaral”, em sua homenagem.
Em 2018, o MoMA, Museu de Arte Moderna de Nova York, realizou uma retrospectiva de sua obra, o que mostra que a artista ainda hoje é considerada peça fundamental nos rumos da Arte Moderna fora da Europa.
Por fim, uma curiosidade. Tarsila do Amaral escreveu uma canção para voz e piano, na década de 1910, chamada “Rondo d’amour”, que ficaria desconhecida até 2021, quando sua partitura foi descoberta na casa de uma sobrinha-neta sua. Em 2022, a bela música [abaixo] foi gravada por professores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Bibliografia e fontes:
Site oficial de Tarsila do Amaral: link .
SAIBA MAIS
Para saber tudo sobre a obra mais famosa da artista – e que vale milhões de dólares, veja: “O ABAPORU”, de TARSILA DO AMARAL.
Para conhecer a inacreditável história da mulher que, roubando quadros de Tarsila e outros artistas, aplicou um golpe de mais de 700 milhões de reais na própria mãe: OS QUADROS ROUBADOS DE TARSILA DO AMARAL.