Nascida em 1898 Tamara Rosalia Gurwik-Górska, em Varsóvia (Polônia – que na época era dominada pelo Império Russo), ela ficaria conhecida como Tamara de Lempicka – e, após se casar com um barão, seria chamada de “A baronesa com um pincel”. Sua obra, no estilo Art Déco, retrataria especialmente aristocratas – e nus femininos.
Uma observação: talvez Tamara não tenha nascido em 1898; talvez não tenha nascido em Varsóvia, mas em Moscou (Rússia). Lempicka gostava de deixar algumas dúvidas sobre sua idade e outros fatos de sua vida.
Filha de um advogado e de uma socialite, seus dons artísticos apareceram cedo. Quando tinha 10 (ou 12) anos, sua mãe encomendou um retrato seu, em pastel. Tamara detestou posar e não gostou do resultado. Então pegou o material, colocou sua irmã mais nova para posar e fez seu primeiro retrato – que não sobreviveu e talvez a história tenha sido inventada por Tamara.
Na adolescência, aborrecida com a escola, a avó materna a levou em um tour pela Itália, onde seu gosto pela Arte aumentou.
Em 1912, seus pais se separaram e ela vai viver com uma tia rica, em São Petersburgo (Rússia).
Em 1915, com 17 anos, Tamara se apaixona por um advogado, Tadeusz Lempicki – a família dela oferece a ele um grande dote e se casam no ano seguinte.
Então vem a Revolução Russa, em 1917, e a vida do casal vira de pernas para o ar. Tadeusz foi preso no meio da noite pela polícia secreta. Tamara o procura pelas prisões, sem resultados. Só irá encontrá-lo com o auxílio de um cônsul sueco – a quem, pela ajuda, aparentemente ela “ofereceu seus favores”. O casal foge para a Dinamarca, então Inglaterra e finalmente a França, onde, em Paris, ela reencontra sua família.
A família de Tamara sobrevive vendendo as joias que levou. Tadeusz não consegue encontrar um emprego decente. Para piorar a situação econômica deles, Tamara engravida e o casal tem uma filha, apelidada “Kizette”, em 1919.
Por sugestão de sua irmã, Tamara decide tornar-se pintora. Torna-se aluna de Maurice Denis e de André Lhote – cubista que influenciaria muito o seu estilo. Seus primeiros quadros retratam sua filha e outras situações próximas. Nesta época trabalha incansavelmente, pintando até nove horas por dia.
Em 1922, começa a expor em eventos independentes, como o “Salon d’automne”. Entretanto, na época Tamara assinava suas obras como “Lempitzki”, forma masculina de “Lempicka”.
Em 1925, ocorre a “Exibição Internacional de Arte Decorativa e Industrial Moderna” – que daria o nome ao estilo nascedouro, Art Déco. As obras de Tamara estavam expostas em locais nobres da mostra e foram aclamadas – agora como Lempicka.
No mesmo ano, Tamara conseguiria uma exposição individual na Itália e, para esta, produziu 28 quadros em seis meses. Lá acabaria adquirindo um amante, o marquês Sommi Picenardi, a quem ela imortalizou em um retrato. Também conheceu um famoso poeta, Gabriele D’Annunzio, a quem queria pintar – porém como ele só queria… acabaram não tendo nem uma coisa e nem outra.
Lempicka era bissexual e alguns de seus casos seriam com mulheres, como com Suzy Solidor, cantora e dona de um clube noturno a quem a artista retrataria. Suzy, por sinal, foi pintada também por Picasso e outros artistas e chegou a ser chamada de “a mulher mais pintada do mundo” – perdendo apenas, claro, para a Virgem Maria.
Esta vida de Lempicka, que era pouco escondida, associada à sugestão de erotismo de várias de suas obras, acabariam atraindo para a artista tanto críticas quanto admiração. Foi uma época em que as mulheres conseguiram alguma emancipação e direitos, como o do voto, e Lempicka testava as fronteiras. “Eu passei a vida à margem da civilização, e as normas da sociedade comum não atingem as pessoas que vivem na borda”, ela diria depois. Já sua filha diria que ela tinha um “instinto assassino”. “Sua Arte e o mundo que veio junto com esta se tornaram a vida para ela.” A libido de Tamara se tornaria legendária e hoje a artista é considerada uma pré-feminista. Na época, entretanto, estava apenas preocupada, com seu grupo de amigos (e amigas, algumas também lésbicas) contestadores, em encontrar seu lugar no mundo – nem que fosse cheirando cocaína com o escritor André Gide, como sugerem alguns relatos.
Ainda assim, sua carreira decolava. Em 1927, Lempicka ganha o primeiro prêmio da Exposição Internacional de Belas-Artes de Bordeaux (França), com um retrato de sua filha.
No ano seguinte, seu casamento acaba, por conta do comportamento (ou de decisão) dela. A guarda de Kizette fica com a mãe de Lempicka. Há um quadro inacabado de Tadeusz, a mão esquerda, onde estaria a aliança, não finalizada. Ela o intitula apenas “Retrato de um homem”.
Logo em seguida, Lempicka conhece um barão do antigo Império Austro-Húngaro – Raoul Kuffner – que, por sinal, era colecionador de Arte. O título de nobreza de sua família foi “merecido” por serem os fornecedores de carne e cerveja para a corte.
Raoul paga a Tamara para que pinte um retrato de sua amante, a dançarina espanhola Nana de Herrera. Tamara aceita o trabalho, mas aparentemente não se dedica tanto a mostrar Nana da melhor forma possível. E logo toma o barão de Nana.
Arruma um patrono, um médico rico, Pierre Boucard, interessado na Arte Moderna, que compra quase todos os seus nus.
Tamara compra um apartamento e sua irmã Adrienne de Montaut, que havia se tornado arquiteta (uma das raras, naquela época), colabora no planejamento da decoração, que vai parar em revistas especializadas.
Em 1929 Tamara faz um de seus quadros mais conhecidos, após uma encomenda para a capa de uma revista alemã: “Autorretrato (Tamara em um Bugatti verde)”, que a mostra como uma mulher rica e livre, além de antenada com o futuro, com a velocidade. A revista celebrava a independência feminina, mas a verdade é que Tamara só possuía um pequeno Renault amarelo – que, ainda por cima, foi roubado em uma noite em que ela e amigos estavam se divertindo no bairro boêmio de Montparnasse. Tamara, para o quadro, havia apenas se inspirado em uma foto que havia visto recentemente.
Neste ano, Lempicka foi para os Estados Unidos, onde pintaria a noiva de um magnata do petróleo – e organizaria uma exposição de suas obras. O dinheiro que ganharia com todo este trabalho, entretanto, seria perdido com a falência do banco onde o depositou, após a quebra da Bolsa americana.
Porém sua carreira, na década seguinte, chegaria ao auge. Lempicka chegou a pintar o rei da Espanha e a rainha da Grécia.
Ela explicou assim o seu sucesso: “Eu fui a primeira mulher a fazer pinturas claras. Entre uma centena de telas, as minhas eram sempre reconhecíveis. As galerias gostavam de colocar minhas obras nas melhores salas, porque elas atraíam atenção. Meu trabalho era limpo e finalizado. Eu olhava em volta e só via uma total destruição da Pintura. A banalidade em que a Arte havia mergulhado me dava uma sensação de desgosto. Eu estava buscando um desenho que nunca existiu. Eu trabalhei rapidamente com um pincel delicado. Eu estava em busca de técnica, desenho, simplicidade e bom gosto. Meu objetivo: nunca copiar. Criar um novo estilo, com cores luminosas e brilhantes, redescobrir a elegância dos meus modelos.”
Embora tenha sido associada ao Cubismo – e este a um de seus pais, o pintor espanhol Pablo Picasso, o estilo de Lempicka era mais leve, menos chocante. Para a artista, Picasso “incorporou a novidade da destruição”. O estilo de Lempicka era, pode-se dizer, um meio-termo entre o Cubismo e o Neoclassicismo de artistas como Jean-Auguste-Dominique Ingres – o nu de “Banho turco”, deste, deformado e cobrindo toda a tela, será visto em Lempicka. Assim como o apreço pela figuração clara – o Cubismo aparecia no fundo de seus quadros. Assim como o Futurismo, representado nos arranha-céus.
Em 1933, morre a esposa do barão – e no ano seguinte Lempicka se casa com ele. Perspicaz, Lempicka, percebendo o crescimento do Nazismo, persuade o barão a vender suas propriedades e mover sua fortuna para a Suíça, já que os dois tinham ascendência judia.
Tamara gostava tanto da vida do “submundo” quanto da vida burguesa. Ornamentava-se, então, com roupas e adereços que Coco Chanel lhe dava. A elegância que aparecia em algumas mulheres que pintava era a mesma que Tamara queria demonstrar em sua vida pessoal. Assim, a sua obra associou-se à moda, esteve na moda, fez moda.
Em 1939 começa a Segunda Guerra Mundial, quando a Alemanha invade justamente a sua Polônia natal. O casal se muda para os Estados Unidos. Kizette, então com 20 anos, não vai – e só conseguirá fugir da França ocupada dois anos depois.
O quadro “Myrto: duas mulheres em um sofá”, de 1929, estava na casa do dr. Boucard, que foi invadida por um oficial alemão. Supostamente, representava Lempicka e uma amante sua. O soldado leva o quadro – do qual Lempicka tinha uma foto, na qual apenas escreveu no verso: “Roubada pelos nazistas.” A obra nunca mais seria reencontrada, porém foi refeita recentemente, com auxílio da tecnologia.
Lempicka, que havia visto a crise econômica na década de 1930 e agora a Guerra, passa a pintar temas menos frívolos do que a nobreza, inspirados no Renascimento (Madonas!), em refugiados etc.
Após a Guerra, seu estilo sai de moda – era a época do Expressionismo Abstrato. Além disto, houve uma certa leitura de que seu trabalho se associaria ao mundo higiênico e controlado do Fascismo.
Lempicka promove, então, algumas mudanças nas suas obras, passando para algum Abstracionismo – e começando a usar uma faca para raspar a tinta na tela, ao invés de usar pincéis. Desta maneira, fez uma releitura de algumas antigas obras suas.
Em 1961, expôs em Paris, mas a recepção foi morna. No mesmo ano, morre o barão.
Lempicka, então, vende boa parte de suas posses e faz três cruzeiros ao redor do mundo.
Em 1963, se muda para o Texas (Estados Unidos), para ficar próxima à sua filha – e se aposenta de sua vida artística profissional – embora eventualmente continue a refazer suas obras antigas – fez então duas novas versões do seu famoso “Autorretrato” – uma vendeu e outra manteve consigo em seu apartamento.
Em 1974, Lempicka decide se mudar para o México. Cinco anos depois Kizette também se torna viúva e também vai para o México, cuidar da mãe, que já estava doente. No ano seguinte Lempicka morreria, dormindo. De acordo com seu desejo final, suas cinzas foram jogadas, de um helicóptero, por sua filha, no vulcão Popocatépetl.
Quando Lempicka morreu, o interesse pela Art Déco estava ressurgindo e suas obras voltam a circular pelo mercado – pois, ao contrário de muitos outros artistas do estilo, como Diego Rivera, que faziam murais (muitos de caráter social), suas obras eram portáteis – além de belas, glamourosas.
Uma peça de teatro sobre a sua história com aquele poeta italiano seria um sucesso e ficaria em cartaz por nada menos do que 11 anos, em Los Angeles (Estados Unidos).
O premiado romance “O último nu”, de Ellis Avery, lançado em 2012, romantiza uma história ocorrida entre a pintora e uma de suas modelos, Rafaela Fano, que aparece no quadro “La belle Rafäella”, de 1927.
Uma grande fã de Lempicka é a cantora Madonna, que no final dos anos 1980 utilizou alguns trabalhos da artista em seus videoclipes e no cenário de sua turnê. “Tenho toneladas de obras dela, tenho quase um Museu Lempicka.”, disse a cantora. O ator Jack Nicholson e a atriz Barbra Streisand também são colecionadores de suas obras.
Em 2019, sua obra “A túnica vermelha” (que também retrata Rafaela) alcançou 13,4 milhões de dólares em um leilão. No ano seguinte, “Retrato de Marjorie Ferry” foi vendido por 21,2 milhões.